domingo, 23 de novembro de 2008

Criando um monstro

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ARTIGO PUBLICADO NO JB, DA DRª MARIA ISABEL, PROFESSORA DE PSICOLOGIA, QUE
DENOMINEI DE "O NÃO DE ELOÁ".
Isabel Alves - Centro de Apoio e Defesa da Cidadania-RJ

UM ALERTA !!! Criando um Monstro.

O que pode criar um monstro? O que leva um rapaz de 22 anos a estragar a
própria vida e a vida de outras duas jovens por... Nada? Será que é índole?
Talvez, a mídia? A influência da televisão? A situação social da violência?
Traumas? Raiva contida? Deficiência social ou mental? Permissividade da
sociedade? O que faz alguém achar que pode comprar armas de fogo, entrar na
casa de uma família, fazer reféns, assustar e desalojar vizinhos, ocupar a
polícia por mais de 100 horas e atirar em duas pessoas inocentes? O rapaz
deu a resposta: 'ela não quis falar comigo'. A garota disse não, não quero
mais falar com você. E o garoto, dizendo que ama, não aceitou um não. Seu
desejo era mais importante. Não quero ser mais um desses psicólogos de
araque que infestam osprogramas vespertinos de televisão, que explicam tudo
de maneira muito simplista e falam descontextualizadamente sobre a vida dos
outros sem serem chamados.Mas ontem, enquanto não conseguia dormir pensando
nesse absurdo todo, pensei que o não da menina Eloá foi o único. Faltaram
muitos outros nãos nessa história toda. Faltou um pai e uma mãe dizerem que
a filha de 12 anos NÃO podia namorar um rapaz de 19. Faltou uma outra mãe
dizer que NÃO iria sucumbir ao medo e ir lá tirar o filho do tal apartamento
a puxões de orelha. Faltou outros pais dizerem que NÃO iriam atender ao
pedido de um policial maluco de deixar a filha voltar para o cativeiro de
onde, com sorte, já tinha escapado com vida. Faltou a polícia dizer NÃO ao
próprio planejamento errôneo de mandar a garota de volta pra lá.Faltou o
governo dizer NÃO ao sensacionalismo da imprensa em torno do caso, que
permitiu que o tal sequestrador converssasse e chorasse compulsivamente em
todos os programas de TV que o procuraram.Simples assim. NÃO. Pelo jeito, a
única que disse não nessa história foi punida com uma bala na cabeça. O
mundo está carente de nãos.Vejo que cada vez mais os pais e professores
morrem de medo de dizer não às crianças.Mulheres ainda têm medo de dizer não
aos maridos ( e alguns maridos, temem dizer não às esposas ).Pessoas têm
medo de dizer não aos amigos.Noras que não conseguem dizer não às
sogras.Chefes que não dizem não aos subordinados.Gente que não consegue
dizer não aos próprios desejos. E assim são criados alguns monstros.Talvez
alguns não cheguem a sequestrar pessoas. Mas têm pequenos surtos quando
escutam um não, seja do guarda de trânsito, do chefe, do professor, da
namorada, do gerente do banco. Essas pessoas acabam crendo que abusar é
normal. E é legal. Os pais dizem, 'não posso traumatizar meu filho'. E não é
raro eu ver alguns tomando tapas de bebês com 1 ou 2 anos. Outros gastam o
que não têm em brinquedos todos os dias e festas de aniversário faraônicas
para suas crias. Sem falar nos adolescentes. Hoje em dia, é difícil ouvir
alguém dizer:Não, você não pode bater no seu amiguinho. Não, você não vai
assistir a uma novela feita para adultos. Não, você não vai fumar maconha
enquanto for contra a lei. Não, você não vai passar a madrugada na rua.Não,
você não vai dirigir sem carteira de habilitação. Não, você não vai beber
uma cervejinha enquanto não fizer
18 anos. Não, essas pessoas não são companhias pra você. Não, hoje você não
vai ganhar brinquedo ou comer salgadinho e chocolate. Não, aqui não é lugar
para você ficar. Não, você não vai faltar na escola sem estar doente. Não,
essa conversa não é pra você se meter. Não, com isto você não vai brincar.
Não, hoje você está de castigo e não vai brincar no parque. Crianças e
adolescentes que crescem sem ouvir bons, justos e firmes NÃOS crescem sem
saber que o mundo não é só deles. E aí, no primeiro não que a vida dá ( e a
vida dá muitos ) surtam. Usam drogas. Compram armas. Transam sem camisinha.
Batem em professores. Furam o pneu do carro do chefe. Chutam mendigos e
prostitutas na rua. E daí por diante. Não estou defendendo a volta da
educação rígida e sem diálogo, pelo contrário. Acredito piamente que
crianças e adolescentes tratados com um amor real, sem culpa, tranquilo e
livre, conseguem perfeitamente entender uma sanção do pai ou da mãe, um
tapa, um castigo, um não. Intuem que o amor dos adultos pelas crianças não é
só prazer - é também responsabilidade. E quem ouve uns nãos de vez em quando
também aprende a dizê-los quando é preciso. Acaba aprendendo que é
importante dizer não a algumas pessoas que tentam abusar de nós de diversas
maneiras, com respeito e firmeza, mesmo que sejam pessoas que nos amem. O
não protege, ensina e prepara. Por mais que seja difícil, eu tento dizer não
aos seres humanos que cruzam o meu caminho quando acredito que é hora - e
tento respeitar também os nãos que recebo. Nem sempre consigo, mas tento.
Acredito que é aí que está a verdadeira prova de amor. E é também aí que
está a solução para a violência cada vez mais desmedida e absurda dos nossos
dias.



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