quarta-feira, 17 de dezembro de 2008
História de Natal
A menina dos fósforos
Hans Christian Andersen
Era véspera de Ano Bom. Fazia um frio intenso, já estava escurecendo e caía neve,
mas a despeito de todo o frio, e da neve, e da noite, que caía rapidamente, uma
criança, uma menina, descalça e de cabeça descoberta, vagava pelas ruas. É certo
que estava calçada quando saiu de casa, mas as chinelas eram muito grandes, pois
que a mãe as usara, e escaparam-lhe dos pezinhos gelados, quando atravessava
correndo uma rua, para fugir de dois carros que vinham a toda a brida. Não pôde
achar um dos chinelos e o outro apanhou-o um rapazinho, que saiu correndo e
declarando que aquilo ia servir de berço aos seus filhos, quando os tivesse.
Continuou, pois, a menina a andar, agora com os pés nus e gelados. Levava no
avental velhinho uma porção de pacotes de fósforos e tinha na mão uma caixinha:
não conseguira vender uma só em todo o dia, e ninguém lhe dera esmola - nem um
só vintém.Assim, morta de fome e frio, ia se arrastando penosamente, vencida pelo cansaço e o desânimo - a estátua viva da miséria.
Os flocos de neve caíam pesados, sobre os lindos cachos louros que lhe
emolduravam graciosamente o rosto; mas a menina nem dava por isso. Via, pelas
janelas das casas, as luzes que brilhavam lá dentro, vagava na rua um cheiro bom
de pato assado - era a véspera do Ano Bom - isso sim, não o esquecia ela.
Achou um canto, formado pela saliência de uma casa, e acocorou-se ali, com os pés
encolhidos para abrigá-los ao calor do corpo, mas cada vez sentia mais frio. Não se
animava a voltar para casa, porque não tinha vendido uma única caixinha de fósforos, e não ganhara um vintém; era certo que levaria algumas lambadas. Além disso, lá fazia tanto frio como na rua, pois só havia o abrigo do telhado, e por ele entrava uivando o vento, apesar dos trapos e das palhas que lhe tinham vedado as enormes frestas.
Tinha as maozinhas tão geladas... estavam duras de frio. Quem sabe se acendendo
um daqueles fósforos pequeninos, sentiria algum calor? Se se animasse a tirar um
ao menos da caixinha, e riscá-lo na parece para acendê-lo... Ritch!... Como estalou,
e faiscou, antes de pegar fogo!Deu uma chama quente, bem clara, e parecia mesmo uma vela, quando ela o abrigou com a mão. E era uma vela esquisita, aquela! Pareceu-lhe logo que estava sentada diante de uma grande estufa, de pés e maçanetas de bronze polido. Ardia nela um fogo magnífico, que espalhava suave calor. E a meninazinha ia estendendo os pés enregelados para aquecê-los e... crac! Apagou-se o clarão! Sumiu-se aestufa, tão quentinha, e ali ficou ela, no seu canto gelado, com um fósforo apagado
na mão. Só via agora a parede escura e fria.
Riscou outro. Onde batia a sua luz, a parede tornava-se transparente como a gaze,
e ela via tudo lá dentro da sala. Estava posta a mesa, e sobre a toalha alvíssima
via-se, fumegando entre toda aquela porcelana tão fina, um belo pato assado,
recheado de maçãs e ameixas. Mas o melhor de tudo foi que o pato saltou do prato
e, com a faca ainda cravada nas costas, foi indo pelo soalho direto à menina que
estava com tanta fome, e...
Mas - que foi aquilo? No mesmo instante acabou-se o fósforo, e ela tornou a ver
somente a parede nua e fria, na noite escura. Riscou outro fósforo, e àquela luz
resplandecente, viu-se sentada debaixo de uma linda árvore de Natal. Oh! Era
muito maior, e mais ricamente decorada do que aquela que vira, naquele Natal, ao
espiar pela porta de vidro da casa do negociante rico. Entre os galhos brilhavam
milhares de velinhas; e estampas coloridas, como as que via nas vitrinas das lojas,
olhavam para ela. A criança estendeu os braços, diante de tantos esplendores, e
então, então... apagou-se o fósforo. Todas as luzinhas de natal foram subindo,
subindo, mais alto, cada vez mais alto, e de repente ela viu que eram estrelas, que
cintilavam no céu. Mas uma caiu lá de cima, deixando uma esteira de poeira
luminosa no caminho.
- Morreu alguém - disse a criança.
Porque sua avó, a única pessoa que a amara no mundo, e que estava morta, lhe
dizia sempre que quando uma estrela desce, é que uma alma subiu para o céu. Agora, ela acendeu outro fósforo; e desta vez foi a avó que lhe apareceu, a sua boa
vovó, sorridente e luminosa, no esplendor da luz.
- Vovó! - gritou a pobre menina - Leva-me contigo... Já sei que quando o fósforo se apagar, tu vais desaparecer, como se sumiram a estufa quente, e o rico pato
assado, e a linda árvore de Natal!
E. a coitadinha pôs-se a riscar na parede todos os fósforos da caixa, para que a avó não se desvanecesse. E eles ardiam com tamanho brilho, que parecia dia, e nunca
ela vira a vovó tão alta, nem tão bela! E ela tomou a neta nos braços, e voaram
ambas, em um halo de luz e de alegria, mais alto, e mais alto, e mais longe...longe da terra, para um lugar lá em cima onde não há mais frio, nem fome, nem sede, nem dor, nem medo, porque elas estavam agora com Deus.
A luz fria da madrugada achou a menina sentada no canto, entre as casas, com as
faces coradas e um sorriso de beatitude. Morta. Morta de frio, na última noite do
ano velho.
A luz do Ano Bom iluminou o pequenino corpo, ainda sentado no canto, com a mão
cheia de fósforos queimados.
- Sem dúvida ela quis aquecer-se - diziam.
Mas... ninguém soube das lindas visões, que visões maravilhosas lhe povoaram os
últimos momentos, nem em que halo tinha entrado com a avó nas glórias do Ano Novo.
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