sexta-feira, 20 de abril de 2012

AULA DE INGLÊS Rubem Braga

Minha tendência imediata foi responder que não;mas a gente não deve se deixar levar pelo primeiroimpulso. Um rápido olhar que lancei à professorabastou para ver que ela falava com seriedade, etinha o ar de quem propõe um grave problema. Emvista disso, examinei com a maior atenção o objetoque ela me apresentava.Não tinha nenhuma tromba visível, de onde umapessoa leviana poderia concluir às pressas que nãose tratava de um elefante. Mas se tirarmos a trombaa um elefante, nem por isso deixa ele de ser umelefante; e mesmo que morra em conseqüência dabrutal operação, continua a ser um elefante;continua, pois um elefante morto é, em princípio,tão elefante como qualquer outro. Refletindo nisso,lembrei-me de averiguar se aquilo tinha quatro patas, quatro grossas patas, como costumam ter os elefantes. Não tinha. Tampouco consegui descobrir opequeno :rabo que caracteriza o grande animal eque, às vezes, como já notei em um circo, elecostuma abanar com uma graça infantil.Terminadas as minhas observações, voltei-me para.a professora e disse convictamente:- No, it's not!Ela soltou um pequeno suspiro, satisfeita: ademora de minha resposta a havia deixadoapreensiva. Imediatamente me perguntou:- Is it a book?Sorri da pergunta: tenho vivido uma parte deminha vida no meio de livros, conheço livros, lidocom livros, sou capaz de distinguir um livro àprimeira vista no meio de quaisquer outros objetos,sejam eles garrafas, tijolos ou cerejas maduras -sejam quais forem. Aquilo não era um livro, e mesmosupondo que houvesse livros encadernados em louça,aquilo não seria um deles não parecia de modo algumum livro. Minha resposta demorou no máximo doissegundos.- No; it's not!Tive o prazer de vê-la novamente satisfeita. -mas só por alguns segundos. Aquela mulher era umdesses espíritos insaciáveis que estão sempre a sepropor questões, e se debruçam com uma curiosidadeaflita sobre a natureza das coisas.- Is it a handkerchief?Fiquei muito perturbado com essa pergunta. Paradizer a verdade, não sabia o que poderia ser umlaandkerchief?talvez fosse hipoteca... Não, hipoteca não. Por quehaveria de ser hipoteca? Handkerchief! Era umapalavra sem a menor sombra de dúvida antipática;talvez fosse chefe de serviço ou relógio de pulsoou ainda, e muito provavelmente, enxaqueca. Fossecomo fosse, respondi impávido.

No it's not!Minhas palavras soaram alto, com certa violência,

pois me repugnava admitir que aquilo ou qualqueroutra coisa nos meus arredores pudesse ser umhandkerchief.Ela então voltou a fazer uma pergunta. Desta vez,porém, a pergunta foi precedida de um certo olharem que havia uma luz de malícia, uma espécie deinsinuação, um longínquo toque de desafio. Sua vozera mais lenta que das outras vezes; não soucompletamente ignorante em psicologia feminina, eantes dela abrir a boca eu já tinha a certeza deque se tratava de uma pergunta decisiva.- Is it an ash-tray?Uma grande alegria me inundou a alma. Em primeirolugar porque, eu sei o que é um ash-tray: um ash-tray é um cinzeiro. Em segundo lugar onde porque,fitando o objeto que me apresentava, notei umaextraordinária semelhança entre ele e um ash-tray.Sim. Era um objeto de louça de forma oval, comcerca de 13 centímetros de comprimento.As bordas eram da altura aproximada de umcentímetro, e nelas havia reentrâncias curvas -duas ou três - na parte superior. Na depressãocentral, uma espécie de bacia delimitada por essasbordas, havia pequeno pedaço de cigarro fumado (umabagana) e, aqui e ali, cinzas esparsas, além de umpalito de fósforos já riscado. Respondi:

Yes!O que sucedeu então foi indescritível. A boasenhora teve rosto completamente iluminado por umaonda de alegria; os olhos brilha - vitória!vitória! - e um largo sorriso desabrochourapidamente lábios havia pouco franzidos pelameditação triste e inquieta. Ergueu-se um pouco dacadeira e não se pôde impedir de estender o braço ebater no ombro, ao mesmo tempo que exclamava, muitoexcitada:- Very well! Very well!Sou um homem de natural tímido, e ainda mais nolidar com mulheres. A efusão com que ela festejavaminha vitória me perturbou um susto, senti vergonha

e muito orgulho.Retirei-me imensamente satisfeito daquelaprimeira aula; andei na com passo firme e ao ver,na vitrina de uma loja, alguns belos cachimbosingleses, tive mesmo a tentação de comprar um.Certamente teria entabulado uma longa conversaçãocom o embaixador britânico, se o entrasse naquelemomento. Eu tiraria o cachimbo da boca e lhe diria:- It's no't an ash-tray!E ele na certa ficaria muito satisfeito por verque eu sabia falar inglês, pois deve ser sempreagradável a um embaixador ver que sua língua natalcomeça a ser versada pelas pessoas de boa-fé dopaís junto cujo governo e acreditado.Maio, 1945

terça-feira, 17 de abril de 2012

Vinicius de Moraes Zélia Gattai

Graças a uma das visitas de Vinicius à nossa casa, salvou-se a série de canções para crianças, de sua autoria:

À beira da piscina, o inseparável copo de uísque ao lado, violão em punho, Vinicius cantava.

Faço um parênteses para me desculpar. Na afobação de querer contar logo a história que me veio à memória — como já devem ter percebido, não tenho anotações, tiro tudo da cachola à medida que as lembranças chegam — esqueci-me de pedir licença para, ainda uma vez, avançar no tempo. Peço agora, pois devo explicar como foi que as músicas infantis de Vinicius de Moraes se salvaram. Avanço tanto, tanto, que falo até de meus netos, os três que existiam na época: Mariana, Bruno e Maria João.

Nessa ocasião, o amor de Vinicius, sua mulher, era uma baiana, Gessy Gesse, a quem devemos a vinda do poeta à Bahia, onde até uma casa ele construiu, disposto a ancorar entre o mar e os coqueiros de Itapuã.

Estávamos à beira da piscina e Vinicius cantava — como foi dito — quando chegaram meus três netos.

Eu agora vou cantar umas musiquinhas para vocês, disse Vinicius às crianças, e começou: Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada... Espera aí, interrompi, vou buscar um gravador. Assim dizendo saí ligeiro. Voltei em seguida, gravadorzinho ligado e ele recomeçou: Lá vem o pato, pato aqui, pato acolá... Cantou todas as canções, intercalando entre elas uma chama, da: Esta é para Marianinha!... Esta é para Bruninho!... Esta é para Maria João!... Encantadas, as crianças ouviam as músicas pela primeira vez, pois elas ainda não haviam sido gravadas naquela ocasião. Ao saber que não restara nenhuma gravação delas após a morte de Vinicius, entreguei meu cassete à Gilda Queiroz Matoso, última e amada companheira do poeta até seus derradeiros momentos. Gravação precária, porém a única que restou e é a que se ouve até hoje.

Vinicius tornou-se íntimo de Calasans Neto e Auta Rosa, adorava o casal, alugou casa em Itapuã antes de construir a própria, queria ficar perto deles.

A rua da Amoreira, onde moravam — e moram até hoje — Calasans e Auta Rosa, era um horror: lama, buraqueira e, como se isso não bastasse, havia esgoto a céu aberto.

Freqüentador assíduo da casa, inconformado com a situação dessa rua, Vinicius não teve dúvida, redigiu uma petição em versos ao prefeito de Salvador. No poema, verdadeiro primor, pedia-lhe atenção e carinho para a rua.

Combinou com Jorge, que conseguiu a publicação do poema-petição na primeira página do jornal A Tarde.


Petição ao Prefeito

Prefeito Clériston Andrade
A quem ainda não conheço:
Quero tomar a liberdade
Que eu nem sequer sei se mereço
De vir pedir,lhe, em causa justa
Um obséquio que, sem favor
Muito honraria (e pouco custa!)
Ao Prefeito de Salvador.
Existe ali no Principado
Livre e Autônomo de Itapuã
Uma ruazinha que, sem embargo
Pertence à sua jurisdição
Uma rua não sem poesia
E cujo título é dar teto
A uma das glórias da Bahia:
O gravador Calasans Neto.
Dizer do estado dessa ruela
(Da Amoreira) eu não arrisco
Porque sem esgotos, correm nela
Rios de ... — Valha-me o asterisco!
E isso é uma pena, Senhor Prefeito
Pois Calasans e sua gravura
Têm cada dia mais procura
De fato como de direito:
O que constrange os visitantes
Com boa margem de estrangeiros
A, entre gravuras fascinantes
Ver quadros nada lisonjeiros.
Calce essa rua, Senhor Alcaide
E eu lhe garanto que algum dia
Pro domo sua, esta Cidade
O há de lembrar com mais valia.
Na expectativa de que acorde
Um novo "Cumpra, se" , sem mais
Aqui se assina, muito ex-corde
O seu, Vinicius de Moraes.


Tiro e queda, a resposta do prefeito foi imediata, em pouco tempo a rua de Auta e Calá foi consertada e asfaltada e, diga-se de passagem, ela foi, por algum tempo, a única rua asfaltada das imediações.

Naqueles tempos, a decantada beleza de Itapuã se resumia no mar, nas praias, nos coqueirais e nas canções de Dorival Caymmi.

Para festejar o acontecimento, Jenner Augusto e Luísa ofereceram um almoço ao qual Vinicius compareceu vestido de gari da limpeza pública, levando para Calá e Auta a petição, enquadrada.

terça-feira, 3 de abril de 2012

The Art of Rebecca Dautremer

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