terça-feira, 1 de julho de 2008

texto/artigo

LEIS, EDUCAÇÃO E PRIMEIRA LÍNGUA

LAWS, EDUCATION AND FIRST LANGUAGE

SANCHOTENE, Joyce de Castro


Resumo
O texto apresenta algumas reflexões sobre as relações entre linguagem e educação além de algumas leis norteadoras do ensino destas áreas no Brasil.
Palavras-chaves: Leis; Educação; Linguagem.

Abstract
This article presents some reflexions among language and education and some of the principal laws for the teaching area in Brazil.
KeyWords: Laws; Education; Language.



Uma questão importante para os estudiosos da linguagem e da educação refere-se ao objetivo do ensino da língua materna: desenvolver um padrão lingüístico, norma padrão, ou reproduzir a ordem social vigente.
No Brasil, a principal responsável pelo processamento do ensino da cultura letrada, do século XVI a meados do século XVIII, foi a Companhia de Jesus até a sua expulsão pelo Marquês de Pombal. Este criou, então, a primeira rede leiga de ensino destinada aos filhos das famílias da classe dominante.
Entre a proposta da nossa primeira Constituição, de 1824, de promover o ensino primário universal, e as leis que se seguiram pode-se determinar uma deliberada reprodução do sistema de oligarquias dominantes que, entre outros mecanismos, utiliza a norma lingüística como instrumento de exclusão.
Um outro aspecto a ser considerado nas reflexões sobre a língua, classes sociais e escola é o desenvolvimento das recentes teorias do discurso que revelam o fato de que, no interior da língua, as palavras e os significados destas mudam de um discurso para outro e de um momento para outro, mudanças estas que acontecem não só por causa da variabilidade da língua, mas pelas contradições materiais no campo social onde vários discursos tomam forma e coexistem. Sobre essa questão, Deleuze e Guattari (1996), afirmam:


Não há língua em si mesmo, nem qualquer universalidade da língua, mas um concurso de dialetos, patois, gírias, línguas especiais. Não existe um falante-ouvinte “competente” ideal, não existe também uma comunidade lingüística homogênea. Não há língua materna, mas um embargo de poder por uma língua dominante no interior da multiplicidade lingüística. (Deleuze e Guattari, apud Chang, p. 184 )


Faraco (2001), ao discutir a questão: A lingüística serve para alguma coisa?Questões de política lingüística, destaca a importância de saber se os estudos realizados por esta ciência têm, efetivamente, conseguido se fazer ouvir em nossa sociedade.
Em seguida, o citado autor (2001) levanta uma questão.


...nossas práticas de ensino e pesquisa, nossas elaborações teóricas e nosso impressionante acervo de descrições do português que falamos aqui e da caracterização da complexa realidade lingüística do país têm servido para colocar nossa voz no campo das batalhas culturais como uma voz pelo menos eqüipolente com as outras vozes que dizem a língua? ( FARACO, 2003, p. 36).


Sobre tal assunto, Alves-Mazzoti (2003) em texto chamado Impacto da pesquisa educacional sobre as práticas escolares relata que muitos pesquisadores têm a mesma preocupação de Faraco (2001) sobre o pouco efeito que a pesquisa educacional ocasiona na qualidade do ensino e redução das desigualdades educacionais. Além da qualidade da pesquisa, dificuldades na divulgação e apropriação desta por professores, outros aspectos são considerados obstáculos a esta apropriação. Um dos pontos destacados pela autora é mesma preocupação de Faraco (2001) sobre o pouco efeito que a pesquisa educacional ocasiona na qualidade do ensino e redução das desigualdades educacionais. Além da qualidade da pesquisa, dificuldades na divulgação e apropriação desta por professores, outros aspectos são considerados obstáculos a esta apropriação. Um dos pontos destacados pela autora é que na introdução da pesquisa o problema pesquisado seja situado em um plano maior, ou seja, que o tema seja discutido, também, de forma mais abrangente. A autora acentua, ainda, uma observação de Tardif (2000) que entende que os pesquisadores devem ter mais interesse nas práticas reais dos professores para que o novo conhecimento gerado pela pesquisa possa ser situado à luz do repertório representacional destes.
Além da qualidade da pesquisa, dificuldades na divulgação e apropriação desta por professores, outros aspectos são considerados obstáculos a esta apropriação. Um dos pontos destacados pela autora é que na introdução da pesquisa o problema pesquisado seja situado em um plano maior, ou seja, que o tema seja discutido, também, de forma mais abrangente. A autora acentua, ainda, uma observação de Tardif (2000) que entende que os pesquisadores devem ter mais interesse nas práticas reais dos professores para que o novo conhecimento gerado pela pesquisa possa ser situado à luz do repertório representacional destes.
Um exemplo dado pela autora mostra que as inovações que chegam à escola, na maioria das vezes, representam uma desqualificação do trabalho docente e, por isso, encontram resistência. Além disso, as pesquisas que orientam políticas educacionais mais amplas, são contaminadas por injunções políticas e, muitas vezes, implementadas por pessoas não qualificadas para isto. Ao final de seu artigo, a autora cita Soares (2001) que alerta sobre o fato de que textos escritos para leitores de fora da academia devem seguir normas diferenciadas de estrutura, léxico, estilo, sintaxe, entre outros, além do fato de que o pesquisador dificilmente escreve para tal leitor por desconhecer suas condições de apropriação do texto.
Sobre a tão comentada crise no ensino da língua materna da qual se ouve falar desde os anos setenta no Brasil, definida ora como uso deficiente ou inadequado da língua materna, ora como ineficiência do ensino, percebe-se que coincide com o processo de democratização da escola. Esta escola, que sempre privilegiou a cultura e a linguagem das classes favorecidas, pretende-se democrática, mas não aceita o dialeto de alunos pertencentes às camadas populares, expressão de sua cultura.
Sobre esse assunto assinala Gnerre (1985):


Processos que são considerados “democráticos” e liberadores, tais como as campanhas de alfabetização, de aumento das oportunidades e dos recursos educacionais, estão muitas vezes conjugados com processos de padronização da língua, que são menos obviamente democráticos e “liberadores”. (Gnerre, pp. 21 e 22 )


Tais processos vão assumindo a função de instrumentos para aumentar o controle do estado sobre os grupos sociais que mantêm poucos contatos com a variedade padrão da língua, pois são mais difíceis de ser controlados, já que eles não têm um instrumento poderoso para definir sua posição social.
De acordo com Silva (1996), desde o Brasil Colônia houve um policiamento social em relação à oralidade brasileira e o cultivo de um ideal lusitanizante que, de certa maneira, perdura até nossos dias. Exemplo disto é o Parecer do Conselho Federal de Educação de 1975, de autoria de Abgar Renault, que propunha medidas para solucionar o problema do ensino a partir da aplicação de uma disciplina gramatical rigorosa, de acordo com princípios de concordância e regência exigidos pelo pensamento lógico, além do estabelecimento de normas para o controle da mídia e dos editores. Além disso, o mesmo Conselho, em 1976, criou uma comissão com o propósito de estudar a carência lingüística dos estudantes, bem como de propor medidas saneadoras.
Outra comissão foi criada pelo Ministério da Cultura, em 1986, para o aperfeiçoamento do ensino/aprendizagem da língua materna, gerando um documento intitulado “Diretrizes para o aperfeiçoamento do ensino/aprendizagem da língua materna” que sugeria propostas para o ensino de 1° e 2° graus, envolvendo o desenvolvimento de uma “língua de cultura”, ou seja, uma única língua em primeira instância, deixando-se, novamente, outras línguas relegadas ao ostracismo social.
Para Baudrillard, em Chang (1996, p.181), existe um terrorismo do código que, por funcionar como mecanismo que salvaguarda a univocalidade da mensagem, reprime a heterogeneidade e contradições que surgem nos processos reais de comunicação social. Assim, não partilhamos códigos, nem transmitimos unilateralmente a mensagem.
Bakhtin, em seus estudos sobre a linguagem, chama a atenção para o fato de que existe um vínculo orgânico entre o uso da linguagem e a atividade humana, pois não falamos no vazio, os enunciados que produzimos estão sempre relacionados às esferas do agir humano, têm tema, organização composicional e estilos adequados às finalidades e condições de cada atividade realizada. Tal pensamento esclarece a complexidade existente nas práticas de linguagem bem como das atividades humanas e, conseqüentemente, à permanente mutação nos gêneros do discurso. Bakhtin, assim, dá importância à historicidade dos gêneros, ou seja, reconhece que estes não são fixos, imutáveis, mas sim sempre abertos à mudança e ao novo. Se uma esfera da atividade humana, por exemplo, torna-se mais complexa, o repertório desta se torna diferente do que era antes, além de ficar mais amplo. Os gêneros se hibridizam de forma contínua, mantendo, porém, certa similaridade e, desta forma, realizam importantes funções sociocognitivas, orientam nossa compreensão das ações dos outros e das nossas próprias ações.
Faraco (2003) explica que:


Tanto para Medvedev quanto para Bakhtin, envolver-se em uma determinada esfera da atividade implica desenvolver também um domínio dos gêneros que lhe são peculiares. Em outras palavras, aprender os modos sociais de fazer é também aprender os modos sociais de dizer.(Faraco, p.196).


Portanto, mesmo uma pessoa que domina bem sua língua pode se sentir incapaz em algum momento, em contato com uma esfera social desconhecida para ela justamente por não dominar o repertório deste gênero.
Bakhtin propõe, também, em seus estudos uma classificação dos gêneros em primários e secundários. Os primários seriam os da vida cotidiana como, por exemplo, a conversa familiar ou as narrativas espontâneas, entre outros. Os secundários aparecem em uma comunicação cultural mais elaborada como os usados nas atividades artísticas, científicas, políticas, filosóficas, jurídicas, de educação formal etc.
Soares (1986) considera:


... o ensino de língua materna, entre nós, vincula-se a uma pedagogia conservadora, que vê a escola como instituição independente das condições sociais e econômicas, espaço de neutralidade, de que estariam ausentes os antagonismos e as contradições de uma sociedade dividida em classes. Na verdade, é uma escola que se põe a serviço dessa sociedade, quando, no ensino da língua materna, elege o dialeto de prestígio, a que só têm acesso as classes dominantes, como a língua legítima, que usa e quer ver usada.A partir de tal pressuposto, a prática pedagógica julga a linguagem do aluno como errada em relação à norma, isto é, do dialeto de prestígio, impondo a substituição pura e simples do dialeto que o aluno utiliza, sem perceber as múltiplas determinações de uso de um dialeto.(Soares, p. 77)


Gnerre (1985, p.7) declara a esse respeito: “Os cidadãos, apesar de declarados iguais perante a lei, são, na realidade, discriminados já na base do mesmo código em que a lei é redigida”. Isto ocorre pelo fato da maioria dos cidadãos não ter acesso ao código ou ter possibilidade reduzida de acesso como conseqüência da norma pedagógica utilizada pela escola.
A par disso, o processo histórico que legitima uma variedade é complexo, porém de profundo interesse para os que trabalham em educação e com a formação de professores. A variedade culta é sempre associada à escrita, à tradição gramatical, inventariada em dicionários, além de portadora de uma tradição cultural e de uma identidade nacional. No processo de legitimação deve ser ressaltada a criação de mitos de origem como aconteceu no caso da instituição da gramática das línguas românicas, visando justificar sua superioridade em relação a outras variedades da época. Além disso, a língua descrita pelos gramáticos tem como função impor uma norma à diversidade, guardando seu poder político e cultural.
Desta forma, entende-se os motivos que levaram o Marquês de Pombal a definir o português como língua oficial e nacional do Brasil por meio do Diretório de 3 de maio de 1757, primeiro para o Pará e o Maranhão e, em 1758, estendido a todo o Brasil. Estava, então, ameaçado o português, pois já vigorava a língua oficial da costa (o tupinambá) nas escolas dos jesuítas e outras línguas indígenas eram utilizadas na intercomunicação familiar. Só na Constituição de 1988 é que foi feita uma modificação na caracterização da língua portuguesa, passando esta a língua oficial o que permitiu, então, que os povos indígenas, que usam mais de 170 línguas diferentes, passassem a usá-las como língua de berço, podendo alfabetizar em sua própria língua.
Assim, se as palavras encerram crenças e valores codificados pela classe dominante, imobilizadas na variedade padrão, esta variedade torna-se um instrumento de poder, legitimado também pela escola que serve aos interesses de tal classe, seja de forma consciente ou não.
Se as pessoas envolvidas no processo educativo tivessem conhecimento da origem das instituições sociais e o significado e funções destas fossem explicitados em cursos de formação, não haveria, por exemplo, a perpetuação do ensino de uma gramática normativa fora da ideologia de sua instituição. Gnerre (1985, p.16) acrescenta: “A começar do nível mais elementar de relações com o poder, a linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder”.
Existe uma guerra dos discursos e, para Raymond Williams, citado por Chang (1996, p.184), uma palavra pode ter múltiplos e contraditórios sentidos, revelando que a língua, assim como outros objetos simbólicos na sociedade, é um produto conjuntural. Assim, torna-se necessário ligar signos lingüísticos com a realidade material, com a prosa da vida diária, afetada por eles e que a eles afeta, enfim, tratando a comunicação materialmente, considerando que “as pessoas comunicam, mas não sempre sob as condições do seu próprio fazer”, ou seja, deve-se combinar semiótica com a fenomenologia social, neutralizar o terrorismo do código por meio da dissipação do fluxo suave da informação em um composto multidimensional de vozes, contra-vozes, mensagens, reações e contrações, ou, em síntese, em tecido social construído por meio de fios de competição e apropriação, não de troca harmoniosa.

















Referências

CHANG, B. G. Deconstructing Communication, representation, subject, and economies of exchange.University of Minnesota Press, Minneapolis, 1996.

FARACO, Carlos Alberto. Linguagem & Diálogo: as idéias lingüísticas do círculo de Bakhtin. Curitiba: Criar Edições, 2003.

GNERRE, Maurizzio. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1985.

SILVA, Rosa Virgínia Mattos e. Contradições no ensino de português: a língua que se fala X a língua que se ensina. São Paulo: Contexto, 2002.

MAZZOTI-ALVES, Alda Judith. Impacto da pesquisa educacional sobre as práticas escolares. IN: ZAGO, CARVALHO e VILELA. (orgs.) Perspectivas qualitativas em Sociologia da Educação.

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