quarta-feira, 30 de julho de 2008
segunda-feira, 28 de julho de 2008
domingo, 27 de julho de 2008
sábado, 26 de julho de 2008
quarta-feira, 23 de julho de 2008
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notícia
Cristovam propõe criação do Programa Cesta Básica do Livro
Agência Senado - 17/07/2008 - Tramita na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) projeto de lei do senador Cristovam Buarque (PDT-DF) que autoriza o Executivo a criar, no Ministério da Educação, o Programa Cesta Básica do Livro (PLS 278/08). O objetivo é garantir um acervo mínimo de livros às famílias de estudantes do ensino público fundamental e médio. A matéria aguarda recebimento de emendas na comissão.
Agência Senado - 17/07/2008 - Tramita na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) projeto de lei do senador Cristovam Buarque (PDT-DF) que autoriza o Executivo a criar, no Ministério da Educação, o Programa Cesta Básica do Livro (PLS 278/08). O objetivo é garantir um acervo mínimo de livros às famílias de estudantes do ensino público fundamental e médio. A matéria aguarda recebimento de emendas na comissão.
terça-feira, 22 de julho de 2008
domingo, 20 de julho de 2008
sexta-feira, 18 de julho de 2008
Poema reescrito com base em poema de Bertold Brecht
Perguntas de um educador que vê
Quem canta o povo dono da terra; reis da floresta?
Escravizados-catequizados!
Sentiram medo?
Foram explorados?
Reis "brancos" os entenderam?
E a nova língua?
Quem a falou?
Leram que versos?
Que histórias contaram?
Quem aprendeu?
Uma nova tera se fez?
É pátria ou exclusão?
Uma família inteira chegou.
A corte mudou de salão.
O povo inteiro prestou atenção?
Sabiam quem eam?
Agora o rei está entre nós!
Escola para quem?
A plebe falou, cantou...
Criou um cenário que a burguesia não viu.
Nas fábricas, quem surgiu?
Trabalhador, operário fez samba, prosa, verso.
Onde estudou?
Na escola da vida, por que a outra o expulsou?
Expulsos de novo:
Trabalhadores, idealistas, jovens artistas?
que lições aprenderam?
De Cabral a Bill Gates?
Do índio ao operário;
Tantas histórias.
Tantas questões.
Quem não souber, cale agora ou mude de vez!
Um país sem história é um país sem lei?
Alunos de pedagogia da UNINTER: Denilson Littiere; Márcia Levani Parzianello; Maria cleonice F. Santos; Maria helena Horman
Quem canta o povo dono da terra; reis da floresta?
Escravizados-catequizados!
Sentiram medo?
Foram explorados?
Reis "brancos" os entenderam?
E a nova língua?
Quem a falou?
Leram que versos?
Que histórias contaram?
Quem aprendeu?
Uma nova tera se fez?
É pátria ou exclusão?
Uma família inteira chegou.
A corte mudou de salão.
O povo inteiro prestou atenção?
Sabiam quem eam?
Agora o rei está entre nós!
Escola para quem?
A plebe falou, cantou...
Criou um cenário que a burguesia não viu.
Nas fábricas, quem surgiu?
Trabalhador, operário fez samba, prosa, verso.
Onde estudou?
Na escola da vida, por que a outra o expulsou?
Expulsos de novo:
Trabalhadores, idealistas, jovens artistas?
que lições aprenderam?
De Cabral a Bill Gates?
Do índio ao operário;
Tantas histórias.
Tantas questões.
Quem não souber, cale agora ou mude de vez!
Um país sem história é um país sem lei?
Alunos de pedagogia da UNINTER: Denilson Littiere; Márcia Levani Parzianello; Maria cleonice F. Santos; Maria helena Horman
quinta-feira, 10 de julho de 2008
quarta-feira, 9 de julho de 2008
Poema
QUANDO AS PESSOAS E A SORTE ME OLHAM TORTO,
sÓ E SOZINHO, CHORO COMO UM PÁRIA,
E clamo em vão ao céu de ouvido morto,
E me maldigo a sina solitária.
Sentindo inveja de um alguém mais rico
Em amizades, esperança e rosto;
Deste a ambição; de outro, o talento, fico
Com menos gosto pelo que mais gosto.
Resvalo contra mim na minha estima,
Mas lembro de você...Então, agora,
Da terra cinza eu ergo o canto acima,
Tal como a ave que anuncia a aurora,
Abrindo pelos céus todas as arcas
- E desprezo o tesouro dos monarcas. Shakespeare ( trad. de Décio Pignatari)
sÓ E SOZINHO, CHORO COMO UM PÁRIA,
E clamo em vão ao céu de ouvido morto,
E me maldigo a sina solitária.
Sentindo inveja de um alguém mais rico
Em amizades, esperança e rosto;
Deste a ambição; de outro, o talento, fico
Com menos gosto pelo que mais gosto.
Resvalo contra mim na minha estima,
Mas lembro de você...Então, agora,
Da terra cinza eu ergo o canto acima,
Tal como a ave que anuncia a aurora,
Abrindo pelos céus todas as arcas
- E desprezo o tesouro dos monarcas. Shakespeare ( trad. de Décio Pignatari)
terça-feira, 8 de julho de 2008
Ética e Educação/ Reorganização da escola.
Pedro Goergen, ao analisar as relações entre pós-modernidade, ética e educação, comenta a atual organização da sociedade adaptada às exigências de mercado, em que a escola oferece um produto em que se perde o rosto humano da educação. Este cenário é um cenário de crise, pois como a educação ainda está alicerçada em bases do pensamento moderno(grandes narrativas, centralidade do sujeito, história em permanente progresso) e o pensamento pós-moderno chama a atenção para um mundo em permanente mutação, a realidade deve ser assumida pela prática pedagógica.
O autor acrescenta (2001, p.77) “Um dos temas fulcrais deste embate entre modernidade e pós-modernidade é o da ética. A passagem da fixidez, do caráter totalizante e universal, premissas de épocas anteriores, para o fluir e a mudança, própria da época contemporânea, desestrutura os fundamentos do certo e do errado e desautoriza os julgamentos a respeito do correto agir.”
Desta forma, a sociedade e a escola como parte desta devem ser capazes de, por meio da ação comunicativa (Habermas), substituir os princípios da disciplina e da autoridade pelos da democracia e da solidariedade, pois, de acordo com Freitag, citada por Goergen (2001, p.81), a reorganização da escola é uma questão administrativa.
Assim, a formação do sujeito ético acontece no meio em que vive e cresce e este meio, seguramente, não é só o da escola. Escola e sociedade devem estar extremamente conectadas para uma formação ética de seus alunos no sentido de congregar e solidarizar.
Sanchotene et alli ( 2005)
O autor acrescenta (2001, p.77) “Um dos temas fulcrais deste embate entre modernidade e pós-modernidade é o da ética. A passagem da fixidez, do caráter totalizante e universal, premissas de épocas anteriores, para o fluir e a mudança, própria da época contemporânea, desestrutura os fundamentos do certo e do errado e desautoriza os julgamentos a respeito do correto agir.”
Desta forma, a sociedade e a escola como parte desta devem ser capazes de, por meio da ação comunicativa (Habermas), substituir os princípios da disciplina e da autoridade pelos da democracia e da solidariedade, pois, de acordo com Freitag, citada por Goergen (2001, p.81), a reorganização da escola é uma questão administrativa.
Assim, a formação do sujeito ético acontece no meio em que vive e cresce e este meio, seguramente, não é só o da escola. Escola e sociedade devem estar extremamente conectadas para uma formação ética de seus alunos no sentido de congregar e solidarizar.
Sanchotene et alli ( 2005)
sobre a construção socioideologica do sujeito
PARA REFLEXÃO
''É no interior do complexo caldo da heteroglossia e de sua dialogização que nasce e se constitui o sujeito. A realidade linguística se apresenta para ele primordialmente como um mundo de vozes sociais em múltiplas relações dialógicas - relações de aceitação e recusa, de convergência e divergência, de harmonia e conflitos, de intersecções e hibridizações''. ( Faraco, 2003)
''É no interior do complexo caldo da heteroglossia e de sua dialogização que nasce e se constitui o sujeito. A realidade linguística se apresenta para ele primordialmente como um mundo de vozes sociais em múltiplas relações dialógicas - relações de aceitação e recusa, de convergência e divergência, de harmonia e conflitos, de intersecções e hibridizações''. ( Faraco, 2003)
domingo, 6 de julho de 2008
quinta-feira, 3 de julho de 2008
लिव्रोएर्रन्ते/blog
Entrem no blog www.livroerrante.blogspot.com e conhecam uma proposta incrível de leitura.
terça-feira, 1 de julho de 2008
os sete saberes
Os sete saberes necessários à educação do futuro
Edgar Morin
Publicado no Boletim da SEMTEC-MEC Informativo Eletrônico da
Secretaria de Educação Média e Tecnológica – Ano 1 – Número 4 – junho/julho de 2000
Introdução
Os sete saberes necessários à educação do futuro não têm nenhum programa educativo, escolar ou universitário. Aliás, não estão concentrados no primário, nem no secundário, nem no ensino universitário, mas abordam problemas específicos para cada um desses níveis. Eles dizem respeito aos setes buracos negros da educação, completamente ignorados, subestimados ou fragmentados nos programas educativos. Programas esses que, na minha opinião, devem ser colocados no centro das preocupações sobre a formação dos jovens, futuros cidadãos.
O Conhecimento
O primeiro buraco negro diz respeito ao conhecimento. Naturalmente, o ensino fornece conhecimento, fornece saberes. Porém, apesar de sua fundamental importância, nunca se ensina o que é, de fato, o conhecimento. E sabemos que os maiores problemas neste caso são o erro e a ilusão.
Ao examinarmos as crenças do passado, concluímos que a maioria contém erros e ilusões. Mesmo quando pensamos em vinte anos atrás, podemos constatar como erramos e nos iludimos sobre o mundo e a realidade. E por que isso é tão importante? Porque o conhecimento nunca é um reflexo ou espelho da realidade. O conhecimento é sempre uma tradução, seguida de uma reconstrução. Mesmo no fenômeno da percepção, através do qual os olhos recebem estímulos luminosos que são transformados, decodificados, transportados a um outro código, que transita pelo nervo ótico, atravessa várias partes do cérebro para, enfim, transformar aquela informação primeira em percepção. A partir deste exemplo, podemos concluir que a percepção é uma reconstrução.
Tomemos um outro exemplo de percepção constante: a imagem do ponto de vista da retina. As pessoas que estão próximas parecem muito maiores do que aquelas que estão mais distantes, pois à distância, o cérebro não realiza o registro e termina por atribuir uma dimensão idêntica para todas as pessoas. Assim como os raios ultravioletas e infravermelhos que nós não vemos, mas sabemos que estão aí e nos impõem uma visão segundo as suas incidências. Portanto, temos percepções, ou seja, reconstruções, traduções da realidade. E toda tradução comporta o risco de erro. Como dizem os italianos "tradotore/traditore".
Também sabemos que não há nenhuma diferença intrínseca entre uma percepção e uma alucinação. Por exemplo: se tenho uma alucinação e vejo Napoleão ou Júlio César, não há nada que me diga que estou enganado, exceto o fato de saber que eles estão mortos. São os outros que vão me dizer se o que vejo é verdade ou não. Quero dizer com isso que estamos sempre ameaçados pela alucinação. Até nos processos de leitura isto acontece. Nós sabemos que não seguimos a linha do que está escrito, pois, às vezes, nossos olhos saltam de uma palavra para outra e reconstroem o conjunto de uma maneira quase alucinatória. Neste momento, é o nosso espírito que colabora com o que nós lemos. E não reconhecemos os erros porque deslizamos neles. O mesmo acontece, por exemplo, quando há um acidente de carro. As versões e as visões do acidente são completamente diferentes, principalmente pela emoção e pelo fato das pessoas estarem em ângulos diferentes.
No plano histórico há erros, se me permitem o jogo de palavras, histéricos. Tomemos um exemplo um pouco distante de nós: os debates sobre a Primeira Guerra Mundial.Uma época em que a França e a Alemanha tinham partidos socialistas fortes, potentes e muito pacifistas, e que, evidentemente, eram contrários à guerra que se anunciava. Mas, a partir do momento em que se desencadeou a guerra, os dois partidos se lançaram, massivamente a uma campanha de propaganda, cada um imputando ao outro os atos mais ignóbeis. Isto durou até o fim da guerra. Hoje, podemos constatar com os eventos trágicos do Oriente Médio a mesma maneira de tratar a informação. Cada um prefere camuflar a parte que lhe é desvantajosa para colocar em relevo a parte criminosa do outro.
Este problema se apresenta de uma maneira perceptível e muito evidente, porque as traduções e as reconstruções são também um risco de erro e muitas vezes o maior erro é pensar que a idéia é a realidade. E tomar a idéia como algo real é confundir o mapa com o terreno.
Outras causas de erro são as diferenças culturais, sociais e de origem. Cada um pensa que suas idéias são as mais evidentes e esse pensamento leva a idéias normativas. Aquelas que não estão dentro desta norma, que não são consideradas normais, são julgadas como um desvio patológico e são taxadas como ridículas. Isso não ocorre somente no domínio das grandes religiões ou das ideologias políticas, mas também das ciências. Quando Watson e Crick decodificaram a estrutura do código genético, o DNA (ácido desoxirribonucléico), surpreenderam e escandalizaram a maioria dos biólogos, que jamais imaginavam que isto poderia ser transcrito em moléculas químicas. Foi preciso muito tempo para que essas idéias pudessem ser aceitas.
Na realidade, as idéias adquirem consistência como os deuses nas religiões. É algo que nos envolve e nos domina a ponto de nos levar a matar ou morrer. Lenin dizia: "os fatos são teimosos, mas, na realidade, as idéias são ainda mais teimosas do que os fatos e resistem aos fatos durante muito tempo". Portanto, o problema do conhecimento não deve ser um problema restrito aos filósofos. É um problema de todos e cada um deve levá-lo em conta desde muito cedo e explorar as possibilidades de erro para ter condições de ver a realidade, porque não existe receita milagrosa.
O Conhecimento Pertinente
O segundo buraco negro é que não ensinamos as condições de um conhecimento pertinente, isto é, de um conhecimento que não mutila o seu objeto. Nós seguimos, em primeiro lugar, um mundo formado pelo ensino disciplinar. É evidente que as disciplinas de toda ordem ajudaram o avanço do conhecimento e são insubstituíveis. O que existe entre as disciplinas é invisível e as conexões entre elas também são invisíveis. Mas isto não significa que seja necessário conhecer somente uma parte da realidade. É preciso ter uma visão capaz de situar o conjunto. É necessário dizer que não é a quantidade de informações, nem a sofisticação em Matemática que podem dar sozinhas um conhecimento pertinente, mas sim a capacidade de colocar o conhecimento no contexto.
A economia, que é das ciências humanas, a mais avançada, a mais sofisticada, tem um poder muito fraco e erra muitas vezes nas suas previsões, porque está ensinando de modo a privilegiar o cálculo. Com isso, acaba esquecendo os aspectos humanos, como o sentimento, a paixão, o desejo, o temor, o medo. Quando há um problema na bolsa, quando as ações despencam, aparece um fator totalmente irracional que é o pânico, e que, freqüentemente, faz com que o fator econômico tenha a ver com o humano, ligando-se, assim, à sociedade, à psicologia, à mitologia. Essa realidade social é multidimensional e o econômico é apenas uma dimensão dessa sociedade. Por isso, é necessário contextualizar todos os dados.
Se não houver, por exemplo, a contextualização dos conhecimentos históricos e geográficos, cada vez que aparecer um acontecimento novo que nos fizer descobrir uma região desconhecida, como o Kosovo, o Timor ou a Serra Leoa, não entenderemos nada. Portanto, o ensino por disciplina, fragmentado e dividido, impede a capacidade natural que o espírito tem de contextualizar. E é essa capacidade que deve ser estimulada e desenvolvida pelo ensino, a de ligar as partes ao todo e o todo às partes. Pascal dizia, já no século XVII: "não se pode conhecer as partes sem conhecer o todo, nem conhecer o todo sem conhecer as partes".
O contexto tem necessidade, ele mesmo, de seu próprio contexto. E o conhecimento, atualmente, deve se referir ao global. Os acidentes locais têm repercussão sobre o conjunto e as ações do conjunto sobre os acidentes locais. Isso foi comprovado depois da guerra do Iraque, da guerra da Iugoslávia e, atualmente, pode ser verificado com o conflito do Oriente Médio.
A Identidade Humana
O terceiro aspecto é a identidade humana. É curioso que nossa identidade seja completamente ignorada pelos programas de instrução. Podemos perceber alguns aspectos do homem biológico em Biologia, alguns aspectos psicológicos em Psicologia, mas a realidade humana é indecifrável. Somos indivíduos de uma sociedade e fazemos parte de uma espécie. Mas, ao mesmo tempo em que fazemos parte de uma sociedade, temos a sociedade como parte de nós, pois desde o nosso nascimento a cultura nos imprime. Nós somos de uma espécie, mas ao mesmo tempo a espécie é em nós e depende de nós. Se nos recusamos a nos relacionar sexualmente com um parceiro de outro sexo, acabamos com a espécie. Portanto, o relacionamento entre indivíduo-sociedade-espécie é como a trindade divina, um dos termos gera o outro e um se encontra no outro. A realidade humana é trinitária.
Eu acredito ser possível a convergência entre todas as ciências e a identidade humana. Um certo número de agrupamentos disciplinares vai favorecer esta convergência. É necessário reconhecer que, na segunda metade do século XX, houve uma revolução científica, reagrupando as disciplinas em ciências pluridisciplinares. Assim, há a cosmologia, as ciências da terra, a ecologia e a pré-história.
Por outro lado, as ciências da terra nos inscrevem neste planeta formado por fragmentos cósmicos, resultados de uma explosão de sóis anteriores. Resta saber como estes fragmentos reunidos e aglomerados puderam criar uma tal organização, uma auto-organização, para nos dar este planeta. É necessário mostrar que ele gerou a vida, e a nós somos, filhos da vida. A biologia, com a teoria da evolução, nos prova como trazemos dentro de nós, efetivamente, o processo de desenvolvimento da primeira célula vivente, que se multiplicou e se diversificou.
Quando sonhamos com nossa identidade, devemos pensar que temos partículas que nasceram no despertar do universo. Temos átomos de carbono que se formaram em sóis anteriores ao nosso, pelo encontro de três núcleos de hélio que se constituíram em moléculas e neuromoléculas na terra. Somos todos filhos do cosmos, mas nos transformamos em estranhos através de nosso conhecimento e de nossa cultura. Portanto, é preciso ensinar a unidade dos três destinos, porque somos indivíduos, mas como indivíduos somos, cada um, um fragmento da sociedade e da espécie Homo sapiens, à qual pertencemos. E o importante é que somos uma parte da sociedade, uma parte da espécie, seres desenvolvidos sem os quais a sociedade não existe. A sociedade só vive com essas interações.
É importante, também, mostrar que, ao mesmo tempo em que o ser humano é múltiplo, ele é parte de uma unidade. Sua estrutura mental faz parte da complexidade humana. Portanto, ou vemos a unidade do gênero e esquecemos a diversidade das culturas e dos indivíduos, ou vemos a diversidade das culturas e não vemos a unidade do ser humano. Esse problema vem causando polêmicas desde o século XVIII, quando Voltaire disse: "os chineses são iguais a nós, têm paixões, choram". E Herbart, o pensador alemão, afirmou: "entre uma cultura e outra não há comunicação, os seres são diferentes". Os dois tinham razão, mas na realidade essas duas verdades têm que ser articuladas. Nós temos os elementos genéticos da nossa diversidade e, é claro, os elementos culturais da nossa diversidade.
É preciso lembrar que rir, chorar, sorrir, não são atos aprendidos ao longo da educação, são inatos, mas modulados de acordo com a educação. Heigerfeld fez uma observação sobre uma jovem surda-muda de nascença que ria, chorava e sorria. Atualmente, estudos demonstram que o feto começa a sorrir no ventre da mãe. Talvez porque não saiba o que o espera depois... Mas isso nos permite entender a nossa realidade, nossa diversidade e singularidade.
Chegamos, então, ao ensino da literatura e da poesia. Elas não devem ser consideradas como secundárias e não essenciais. A literatura é para os adolescentes uma escola de vida e um meio para se adquirir conhecimentos. As ciências sociais vêem categorias e não indivíduos sujeitos a emoções, paixões e desejos. A literatura, ao contrário, como nos grandes romances de Tolstoi, aborda o meio social, o familiar, o histórico e o concreto das relações humanas com uma força extraordinária. Podemos dizer que as telenovelas também nos falam sobre problemas fundamentais do homem; o amor, a morte, a doença, o ciúme, a ambição, o dinheiro. Temos que entender que todos esses elementos são necessários para entender que a vida não é aprendida somente nas ciências formais. E a literatura tem a vantagem de refletir sobre a complexidade do ser humano e sobre a quantidade incrível de seus sonhos.
Podemos, então, compreender a complexidade humana através da literatura. A poesia nos ensina a qualidade poética da vida, essa qualidade que nós sentimos diante de fatos da realidade. Como, por exemplo, os espetáculos da natureza: o céu de Brasília que é tão bonito. A vida não deve ser uma prosa que se faça por obrigação. A vida é viver poeticamente na paixão, no entusiasmo.
Para que isso aconteça, devemos fazer convergir todas as disciplinas conhecidas para a identidade e para a condição humana, ressaltando a noção de homo sapiens; o homem racional e fazedor de ferramentas, que é, ao mesmo tempo, louco e está entre o delírio e o equilíbrio, nesse mundo de paixões em que o amor é o cúmulo da loucura e da sabedoria.
O homem não se define somente pelo trabalho, mas também pelo jogo. Não só as crianças, como também os adultos gostam de jogar. Por isso vemos partidas de futebol. Nós somos Homo ludens, além de Homo economicus. Não vivemos só em função do interesse econômico. Há, também, o homo mitologicus, isto é, vivemos em função de mitos e crenças. Enfim o homem é prosaico e poético. Como dizia Hölderling: "O homem habita poeticamente na terra, mas também prosaicamente e se a prosa não existisse, não poderíamos desfrutar da poesia".
A Compreensão Humana
O quarto aspecto é sobre a compreensão humana. Nunca se ensina sobre como compreender uns aos outros, como compreender nossos vizinhos, nossos parentes, nossos pais. O que significa compreender?
A palavra compreender vem do latim, compreendere, que quer dizer: colocar junto todos os elementos de explicação, ou seja, não ter somente um elemento de explicação, mas diversos. Mas a compreensão humana vai além disso, porque, na realidade, ela comporta uma parte de empatia e identificação. O que faz com que se compreenda alguém que chora, por exemplo, não é analisar as lágrimas no microscópio, mas saber o significado da dor, da emoção. Por isso, é preciso compreender a compaixão, que significa sofrer junto. É isto que permite a verdadeira comunicação humana.
A grande inimiga da compreensão é a falta de preocupação em ensiná-la. Na realidade, isto está se agravando, já que o individualismo ganha um espaço cada vez maior. Estamos vivendo numa sociedade individualista, que favorece o sentido de responsabilidade individual, que desenvolve o egocentrismo, o egoísmo e que, consequentemente, alimenta a autojustificação e a rejeição ao próximo. A redução do outro, a visão unilateral e a falta de percepção sobre a complexidade humana são os grandes empecilhos da compreensão. Outro aspecto da incompreensão é a indiferença. E, por este lado, é interessante abordar o cinema, que os intelectuais tanto acusam de alienante. Na verdade, o cinema é uma arte que nos ensina a superar a indiferença, pois transforma em heróis os invisíveis sociais, ensinando-nos a vê-los por um outro prisma. Charlie Chaplin, por exemplo, sensibilizou platéias inteiras com o personagem do vagabundo. Outro exemplo é Coppola, que popularizou os chefes da Máfia com "O Chefão". No teatro, temos a complexidade dos personagens de Shakspeare: reis, gangsters, assassinos e ditadores. No cinema, como na filosofia de Heráclito: "Despertados, eles dormem". Estamos adormecidos, apesar de despertos, pois diante da realidade tão complexa, mal percebemos o que se passa ao nosso redor.
Por isso, é importante este quarto ponto: compreender não só os outros como a si mesmo, a necessidade de se auto-examinar, de analisar a autojustificação, pois o mundo está cada vez mais devastado pela incompreensão, que é o câncer do relacionamento entre os seres humanos.
A Incerteza
O quinto aspecto é a incerteza. Apesar de, nas escolas, ensinar-se somente as certezas, como a gravitação de Newton e o eletromagnetismo, atualmente a ciência tem abandonado determinados elementos mecânicos para assimilar o jogo entre certeza e incerteza, da micro-física às ciências humanas. É necessário mostrar em todos os domínios, sobretudo na história, o surgimento do inesperado. Eurípides dizia no fim de três de suas tragédias que: "os deuses nos causam grandes surpresas, não é o esperado que chega e sim o inesperado que nos acontece". É a velha idéia de 2.500 anos, que nós esquecemos sempre.
As ciências mantêm diálogos entre dados hipotéticos e outros dados que parecem mais prováveis. Os processos físicos, assim como outros também, pressupõem variações que nos levam à desordem caótica ou à criação de uma nova organização, como nas teorias sobre a incerteza de Prigogine, baseadas nos exemplos dos turbilhões de Born. Analisando retroativamente a história da vida, constata-se que ela não foi linear, que não teve uma evolução de baixo para cima. A evolução segundo Darwin foi uma evolução composta de ramificações, a exemplo do mundo vegetal e o mundo animal. O homem vem de uma dessas ramificações e conseguiu chegar à consciência e à inteligência, mas não somos a meta da evolução, fazemos parte desse processo. A história da vida foi, na verdade, marcada por catástrofes.
As duas guerras mundiais destruíram muito na primeira metade do século XX. Três grandes impérios da época, por exemplo, o romano-otomano, o austro-húngaro e o soviético, desapareceram.
Isto nos demonstra a necessidade de ensinar o que chamamos de ecologia da ação: a atitude que se toma quando uma ação é desencadeada e escapa ao desejo e às intenções daquele que a provocou, desencadeando influências múltiplas que podem desviá-la até para o sentido oposto ao intencionado.
A história humana está repleta de exemplos dessa natureza. O mais evidente no final do século XX foi o projeto político de Gorbatchev, que pretendeu reformar o sistema político da União Soviética, mas acabou provocando o começo de sua própria desagregação e implosão.
Assim tem acontecido em todas as etapas da história. O inesperado aconteceu e acontecerá, porque não temos futuro e não temos certeza nenhuma do futuro. As previsões não foram concretizadas, não existe determinismo do progresso. Os espíritos, portanto, têm que ser fortes e armados para enfrentarem essa incerteza e não se desencorajarem.
Essa incerteza é uma incitação à coragem. A aventura humana não é previsível, mas o imprevisto não é totalmente desconhecido. Somente agora se admite que não se conhece o destino da aventura humana. É necessário tomar consciência de que as futuras decisões devem ser tomadas contando com o risco do erro e estabelecer estratégias que possam ser corrigidas no processo da ação, a partir dos imprevistos e das informações que se tem.
A Condição Planetária
O sexto aspecto é a condição planetária, sobretudo na era da globalização no século XX – que começou, na verdade no século XVI com a colonização da América e a interligação de toda a humanidade. Esse fenômeno que estamos vivendo hoje, em que tudo está conectado, é um outro aspecto que o ensino ainda não tocou, assim como o planeta e seus problemas, a aceleração histórica, a quantidade de informação que não conseguimos processar e organizar.
Este ponto é importante porque existe, neste momento, um destino comum para todos os seres humanos. O crescimento da ameaça letal se expande em vez de diminuir: a ameaça nuclear, a ameaça ecológica, a degradação da vida planetária. Ainda que haja uma tomada de consciência de todos esses problemas, ela é tímida e não conduziu ainda a nenhuma decisão efetiva. Por isso, faz-se urgente a construção de uma consciência planetária.
É necessária uma certa distância em relação ao imediato para podermos compreendê-lo. E, atualmente, dada a aceleração e a complexidade do mundo, é quase impossível. Mas, faz-se necessário ressaltar, é esta a dificuldade. É necessário ensinar que não é suficiente reduzir a um só a complexidade dos problemas importantes do planeta, como a demografia, ou a escassez de alimentos, ou a bomba atômica, ou a ecologia. Os problemas estão todos amarrados uns aos outros.
Daqui para frente, existem, sobretudo, os perigos de vida e morte para a humanidade, como a ameaça da arma nuclear, como a ameaça ecológica, como o desencadeamento dos nacionalismos acentuados pelas religiões. É preciso mostrar que a humanidade vive agora uma comunidade de destino comum.
A Antropo-ética
O último aspecto é o que vou chamar de antropo-ético, porque os problemas da moral e da ética diferem a depender da cultura e da natureza humana. Existe um aspecto individual, outro social e outro genético, diria de espécie. Algo como uma trindade em que as terminações são ligadas: a antropo-ética. Cabe ao ser humano desenvolver, ao mesmo tempo, a ética e a autonomia pessoal (as nossas responsabilidades pessoais), além de desenvolver a participação social (as responsabilidades sociais), ou seja, a nossa participação no gênero humano, pois compartilhamos um destino comum.
A antropo-ética tem um lado social que não tem sentido se não for na democracia, porque a democracia permite uma relação indivíduo-sociedade e nela o cidadão deve se sentir solidário e responsável. A democracia permite aos cidadãos exercerem suas responsabilidades através do voto. Somente assim é possível fazer com que o poder circule, de forma que aquele que foi uma vez controlado, terá a chance de controlar. Porque a democracia é, por princípio, um exercício de controle.
Não existe, evidentemente, democracia absoluta. Ela é sempre incompleta. Mas sabemos que vivemos em uma época de regressão democrática, pois o poder tecnológico agrava cada vez mais os problemas econômicos. Na verdade, é importante orientar e guiar essa tomada de consciência social que leva à cidadania, para que o indivíduo possa exercer sua responsabilidade.
Por outro lado, a ética do ser humano está se desenvolvendo através das associações não-governamentais, como os Médicos Sem Fronteiras, o Greenpeace, a Aliança pelo Mundo Solidário e tantas outras que trabalham acima de entidades religiosas, políticas ou de Estados nacionais, assistindo aos países ou às nações que estão sendo ameaçadas ou em graves conflitos. Devemos conscientizar a todos sobre essas causas tão importantes, pois estamos falando do destino da humanidade.
Seremos capazes de civilizar a terra e fazer com que ela se torne uma verdadeira pátria? Estes são os sete saberes necessários ao ensino. E não digo isso para modificar programas. Na minha opinião, não temos que destruir disciplinas, mas sim integrá-las, reuni-las em uma ciência como, por exemplo, as ciências da terra (a sismologia, a vulcanologia, a meteorologia), todas elas articuladas em uma concepção sistêmica da terra.
Penso que tudo deva estar integrado para permitir uma mudança de pensamento; para que se transforme a concepção fragmentada e dividida do mundo, que impede a visão total da realidade. Essa visão fragmentada faz com que os problemas permaneçam invisíveis para muitos, principalmente para muitos governantes.
E hoje que o planeta já está, ao mesmo tempo, unido e fragmentado, começa a se desenvolver uma ética do gênero humano, para que possamos superar esse estado de caos e começar, talvez, a civilizar a terra.
Edgard Morin é o pai da teoria da complexidade, explicada nos quatro livros da série O Método.
Edgar Morin
Publicado no Boletim da SEMTEC-MEC Informativo Eletrônico da
Secretaria de Educação Média e Tecnológica – Ano 1 – Número 4 – junho/julho de 2000
Introdução
Os sete saberes necessários à educação do futuro não têm nenhum programa educativo, escolar ou universitário. Aliás, não estão concentrados no primário, nem no secundário, nem no ensino universitário, mas abordam problemas específicos para cada um desses níveis. Eles dizem respeito aos setes buracos negros da educação, completamente ignorados, subestimados ou fragmentados nos programas educativos. Programas esses que, na minha opinião, devem ser colocados no centro das preocupações sobre a formação dos jovens, futuros cidadãos.
O Conhecimento
O primeiro buraco negro diz respeito ao conhecimento. Naturalmente, o ensino fornece conhecimento, fornece saberes. Porém, apesar de sua fundamental importância, nunca se ensina o que é, de fato, o conhecimento. E sabemos que os maiores problemas neste caso são o erro e a ilusão.
Ao examinarmos as crenças do passado, concluímos que a maioria contém erros e ilusões. Mesmo quando pensamos em vinte anos atrás, podemos constatar como erramos e nos iludimos sobre o mundo e a realidade. E por que isso é tão importante? Porque o conhecimento nunca é um reflexo ou espelho da realidade. O conhecimento é sempre uma tradução, seguida de uma reconstrução. Mesmo no fenômeno da percepção, através do qual os olhos recebem estímulos luminosos que são transformados, decodificados, transportados a um outro código, que transita pelo nervo ótico, atravessa várias partes do cérebro para, enfim, transformar aquela informação primeira em percepção. A partir deste exemplo, podemos concluir que a percepção é uma reconstrução.
Tomemos um outro exemplo de percepção constante: a imagem do ponto de vista da retina. As pessoas que estão próximas parecem muito maiores do que aquelas que estão mais distantes, pois à distância, o cérebro não realiza o registro e termina por atribuir uma dimensão idêntica para todas as pessoas. Assim como os raios ultravioletas e infravermelhos que nós não vemos, mas sabemos que estão aí e nos impõem uma visão segundo as suas incidências. Portanto, temos percepções, ou seja, reconstruções, traduções da realidade. E toda tradução comporta o risco de erro. Como dizem os italianos "tradotore/traditore".
Também sabemos que não há nenhuma diferença intrínseca entre uma percepção e uma alucinação. Por exemplo: se tenho uma alucinação e vejo Napoleão ou Júlio César, não há nada que me diga que estou enganado, exceto o fato de saber que eles estão mortos. São os outros que vão me dizer se o que vejo é verdade ou não. Quero dizer com isso que estamos sempre ameaçados pela alucinação. Até nos processos de leitura isto acontece. Nós sabemos que não seguimos a linha do que está escrito, pois, às vezes, nossos olhos saltam de uma palavra para outra e reconstroem o conjunto de uma maneira quase alucinatória. Neste momento, é o nosso espírito que colabora com o que nós lemos. E não reconhecemos os erros porque deslizamos neles. O mesmo acontece, por exemplo, quando há um acidente de carro. As versões e as visões do acidente são completamente diferentes, principalmente pela emoção e pelo fato das pessoas estarem em ângulos diferentes.
No plano histórico há erros, se me permitem o jogo de palavras, histéricos. Tomemos um exemplo um pouco distante de nós: os debates sobre a Primeira Guerra Mundial.Uma época em que a França e a Alemanha tinham partidos socialistas fortes, potentes e muito pacifistas, e que, evidentemente, eram contrários à guerra que se anunciava. Mas, a partir do momento em que se desencadeou a guerra, os dois partidos se lançaram, massivamente a uma campanha de propaganda, cada um imputando ao outro os atos mais ignóbeis. Isto durou até o fim da guerra. Hoje, podemos constatar com os eventos trágicos do Oriente Médio a mesma maneira de tratar a informação. Cada um prefere camuflar a parte que lhe é desvantajosa para colocar em relevo a parte criminosa do outro.
Este problema se apresenta de uma maneira perceptível e muito evidente, porque as traduções e as reconstruções são também um risco de erro e muitas vezes o maior erro é pensar que a idéia é a realidade. E tomar a idéia como algo real é confundir o mapa com o terreno.
Outras causas de erro são as diferenças culturais, sociais e de origem. Cada um pensa que suas idéias são as mais evidentes e esse pensamento leva a idéias normativas. Aquelas que não estão dentro desta norma, que não são consideradas normais, são julgadas como um desvio patológico e são taxadas como ridículas. Isso não ocorre somente no domínio das grandes religiões ou das ideologias políticas, mas também das ciências. Quando Watson e Crick decodificaram a estrutura do código genético, o DNA (ácido desoxirribonucléico), surpreenderam e escandalizaram a maioria dos biólogos, que jamais imaginavam que isto poderia ser transcrito em moléculas químicas. Foi preciso muito tempo para que essas idéias pudessem ser aceitas.
Na realidade, as idéias adquirem consistência como os deuses nas religiões. É algo que nos envolve e nos domina a ponto de nos levar a matar ou morrer. Lenin dizia: "os fatos são teimosos, mas, na realidade, as idéias são ainda mais teimosas do que os fatos e resistem aos fatos durante muito tempo". Portanto, o problema do conhecimento não deve ser um problema restrito aos filósofos. É um problema de todos e cada um deve levá-lo em conta desde muito cedo e explorar as possibilidades de erro para ter condições de ver a realidade, porque não existe receita milagrosa.
O Conhecimento Pertinente
O segundo buraco negro é que não ensinamos as condições de um conhecimento pertinente, isto é, de um conhecimento que não mutila o seu objeto. Nós seguimos, em primeiro lugar, um mundo formado pelo ensino disciplinar. É evidente que as disciplinas de toda ordem ajudaram o avanço do conhecimento e são insubstituíveis. O que existe entre as disciplinas é invisível e as conexões entre elas também são invisíveis. Mas isto não significa que seja necessário conhecer somente uma parte da realidade. É preciso ter uma visão capaz de situar o conjunto. É necessário dizer que não é a quantidade de informações, nem a sofisticação em Matemática que podem dar sozinhas um conhecimento pertinente, mas sim a capacidade de colocar o conhecimento no contexto.
A economia, que é das ciências humanas, a mais avançada, a mais sofisticada, tem um poder muito fraco e erra muitas vezes nas suas previsões, porque está ensinando de modo a privilegiar o cálculo. Com isso, acaba esquecendo os aspectos humanos, como o sentimento, a paixão, o desejo, o temor, o medo. Quando há um problema na bolsa, quando as ações despencam, aparece um fator totalmente irracional que é o pânico, e que, freqüentemente, faz com que o fator econômico tenha a ver com o humano, ligando-se, assim, à sociedade, à psicologia, à mitologia. Essa realidade social é multidimensional e o econômico é apenas uma dimensão dessa sociedade. Por isso, é necessário contextualizar todos os dados.
Se não houver, por exemplo, a contextualização dos conhecimentos históricos e geográficos, cada vez que aparecer um acontecimento novo que nos fizer descobrir uma região desconhecida, como o Kosovo, o Timor ou a Serra Leoa, não entenderemos nada. Portanto, o ensino por disciplina, fragmentado e dividido, impede a capacidade natural que o espírito tem de contextualizar. E é essa capacidade que deve ser estimulada e desenvolvida pelo ensino, a de ligar as partes ao todo e o todo às partes. Pascal dizia, já no século XVII: "não se pode conhecer as partes sem conhecer o todo, nem conhecer o todo sem conhecer as partes".
O contexto tem necessidade, ele mesmo, de seu próprio contexto. E o conhecimento, atualmente, deve se referir ao global. Os acidentes locais têm repercussão sobre o conjunto e as ações do conjunto sobre os acidentes locais. Isso foi comprovado depois da guerra do Iraque, da guerra da Iugoslávia e, atualmente, pode ser verificado com o conflito do Oriente Médio.
A Identidade Humana
O terceiro aspecto é a identidade humana. É curioso que nossa identidade seja completamente ignorada pelos programas de instrução. Podemos perceber alguns aspectos do homem biológico em Biologia, alguns aspectos psicológicos em Psicologia, mas a realidade humana é indecifrável. Somos indivíduos de uma sociedade e fazemos parte de uma espécie. Mas, ao mesmo tempo em que fazemos parte de uma sociedade, temos a sociedade como parte de nós, pois desde o nosso nascimento a cultura nos imprime. Nós somos de uma espécie, mas ao mesmo tempo a espécie é em nós e depende de nós. Se nos recusamos a nos relacionar sexualmente com um parceiro de outro sexo, acabamos com a espécie. Portanto, o relacionamento entre indivíduo-sociedade-espécie é como a trindade divina, um dos termos gera o outro e um se encontra no outro. A realidade humana é trinitária.
Eu acredito ser possível a convergência entre todas as ciências e a identidade humana. Um certo número de agrupamentos disciplinares vai favorecer esta convergência. É necessário reconhecer que, na segunda metade do século XX, houve uma revolução científica, reagrupando as disciplinas em ciências pluridisciplinares. Assim, há a cosmologia, as ciências da terra, a ecologia e a pré-história.
Por outro lado, as ciências da terra nos inscrevem neste planeta formado por fragmentos cósmicos, resultados de uma explosão de sóis anteriores. Resta saber como estes fragmentos reunidos e aglomerados puderam criar uma tal organização, uma auto-organização, para nos dar este planeta. É necessário mostrar que ele gerou a vida, e a nós somos, filhos da vida. A biologia, com a teoria da evolução, nos prova como trazemos dentro de nós, efetivamente, o processo de desenvolvimento da primeira célula vivente, que se multiplicou e se diversificou.
Quando sonhamos com nossa identidade, devemos pensar que temos partículas que nasceram no despertar do universo. Temos átomos de carbono que se formaram em sóis anteriores ao nosso, pelo encontro de três núcleos de hélio que se constituíram em moléculas e neuromoléculas na terra. Somos todos filhos do cosmos, mas nos transformamos em estranhos através de nosso conhecimento e de nossa cultura. Portanto, é preciso ensinar a unidade dos três destinos, porque somos indivíduos, mas como indivíduos somos, cada um, um fragmento da sociedade e da espécie Homo sapiens, à qual pertencemos. E o importante é que somos uma parte da sociedade, uma parte da espécie, seres desenvolvidos sem os quais a sociedade não existe. A sociedade só vive com essas interações.
É importante, também, mostrar que, ao mesmo tempo em que o ser humano é múltiplo, ele é parte de uma unidade. Sua estrutura mental faz parte da complexidade humana. Portanto, ou vemos a unidade do gênero e esquecemos a diversidade das culturas e dos indivíduos, ou vemos a diversidade das culturas e não vemos a unidade do ser humano. Esse problema vem causando polêmicas desde o século XVIII, quando Voltaire disse: "os chineses são iguais a nós, têm paixões, choram". E Herbart, o pensador alemão, afirmou: "entre uma cultura e outra não há comunicação, os seres são diferentes". Os dois tinham razão, mas na realidade essas duas verdades têm que ser articuladas. Nós temos os elementos genéticos da nossa diversidade e, é claro, os elementos culturais da nossa diversidade.
É preciso lembrar que rir, chorar, sorrir, não são atos aprendidos ao longo da educação, são inatos, mas modulados de acordo com a educação. Heigerfeld fez uma observação sobre uma jovem surda-muda de nascença que ria, chorava e sorria. Atualmente, estudos demonstram que o feto começa a sorrir no ventre da mãe. Talvez porque não saiba o que o espera depois... Mas isso nos permite entender a nossa realidade, nossa diversidade e singularidade.
Chegamos, então, ao ensino da literatura e da poesia. Elas não devem ser consideradas como secundárias e não essenciais. A literatura é para os adolescentes uma escola de vida e um meio para se adquirir conhecimentos. As ciências sociais vêem categorias e não indivíduos sujeitos a emoções, paixões e desejos. A literatura, ao contrário, como nos grandes romances de Tolstoi, aborda o meio social, o familiar, o histórico e o concreto das relações humanas com uma força extraordinária. Podemos dizer que as telenovelas também nos falam sobre problemas fundamentais do homem; o amor, a morte, a doença, o ciúme, a ambição, o dinheiro. Temos que entender que todos esses elementos são necessários para entender que a vida não é aprendida somente nas ciências formais. E a literatura tem a vantagem de refletir sobre a complexidade do ser humano e sobre a quantidade incrível de seus sonhos.
Podemos, então, compreender a complexidade humana através da literatura. A poesia nos ensina a qualidade poética da vida, essa qualidade que nós sentimos diante de fatos da realidade. Como, por exemplo, os espetáculos da natureza: o céu de Brasília que é tão bonito. A vida não deve ser uma prosa que se faça por obrigação. A vida é viver poeticamente na paixão, no entusiasmo.
Para que isso aconteça, devemos fazer convergir todas as disciplinas conhecidas para a identidade e para a condição humana, ressaltando a noção de homo sapiens; o homem racional e fazedor de ferramentas, que é, ao mesmo tempo, louco e está entre o delírio e o equilíbrio, nesse mundo de paixões em que o amor é o cúmulo da loucura e da sabedoria.
O homem não se define somente pelo trabalho, mas também pelo jogo. Não só as crianças, como também os adultos gostam de jogar. Por isso vemos partidas de futebol. Nós somos Homo ludens, além de Homo economicus. Não vivemos só em função do interesse econômico. Há, também, o homo mitologicus, isto é, vivemos em função de mitos e crenças. Enfim o homem é prosaico e poético. Como dizia Hölderling: "O homem habita poeticamente na terra, mas também prosaicamente e se a prosa não existisse, não poderíamos desfrutar da poesia".
A Compreensão Humana
O quarto aspecto é sobre a compreensão humana. Nunca se ensina sobre como compreender uns aos outros, como compreender nossos vizinhos, nossos parentes, nossos pais. O que significa compreender?
A palavra compreender vem do latim, compreendere, que quer dizer: colocar junto todos os elementos de explicação, ou seja, não ter somente um elemento de explicação, mas diversos. Mas a compreensão humana vai além disso, porque, na realidade, ela comporta uma parte de empatia e identificação. O que faz com que se compreenda alguém que chora, por exemplo, não é analisar as lágrimas no microscópio, mas saber o significado da dor, da emoção. Por isso, é preciso compreender a compaixão, que significa sofrer junto. É isto que permite a verdadeira comunicação humana.
A grande inimiga da compreensão é a falta de preocupação em ensiná-la. Na realidade, isto está se agravando, já que o individualismo ganha um espaço cada vez maior. Estamos vivendo numa sociedade individualista, que favorece o sentido de responsabilidade individual, que desenvolve o egocentrismo, o egoísmo e que, consequentemente, alimenta a autojustificação e a rejeição ao próximo. A redução do outro, a visão unilateral e a falta de percepção sobre a complexidade humana são os grandes empecilhos da compreensão. Outro aspecto da incompreensão é a indiferença. E, por este lado, é interessante abordar o cinema, que os intelectuais tanto acusam de alienante. Na verdade, o cinema é uma arte que nos ensina a superar a indiferença, pois transforma em heróis os invisíveis sociais, ensinando-nos a vê-los por um outro prisma. Charlie Chaplin, por exemplo, sensibilizou platéias inteiras com o personagem do vagabundo. Outro exemplo é Coppola, que popularizou os chefes da Máfia com "O Chefão". No teatro, temos a complexidade dos personagens de Shakspeare: reis, gangsters, assassinos e ditadores. No cinema, como na filosofia de Heráclito: "Despertados, eles dormem". Estamos adormecidos, apesar de despertos, pois diante da realidade tão complexa, mal percebemos o que se passa ao nosso redor.
Por isso, é importante este quarto ponto: compreender não só os outros como a si mesmo, a necessidade de se auto-examinar, de analisar a autojustificação, pois o mundo está cada vez mais devastado pela incompreensão, que é o câncer do relacionamento entre os seres humanos.
A Incerteza
O quinto aspecto é a incerteza. Apesar de, nas escolas, ensinar-se somente as certezas, como a gravitação de Newton e o eletromagnetismo, atualmente a ciência tem abandonado determinados elementos mecânicos para assimilar o jogo entre certeza e incerteza, da micro-física às ciências humanas. É necessário mostrar em todos os domínios, sobretudo na história, o surgimento do inesperado. Eurípides dizia no fim de três de suas tragédias que: "os deuses nos causam grandes surpresas, não é o esperado que chega e sim o inesperado que nos acontece". É a velha idéia de 2.500 anos, que nós esquecemos sempre.
As ciências mantêm diálogos entre dados hipotéticos e outros dados que parecem mais prováveis. Os processos físicos, assim como outros também, pressupõem variações que nos levam à desordem caótica ou à criação de uma nova organização, como nas teorias sobre a incerteza de Prigogine, baseadas nos exemplos dos turbilhões de Born. Analisando retroativamente a história da vida, constata-se que ela não foi linear, que não teve uma evolução de baixo para cima. A evolução segundo Darwin foi uma evolução composta de ramificações, a exemplo do mundo vegetal e o mundo animal. O homem vem de uma dessas ramificações e conseguiu chegar à consciência e à inteligência, mas não somos a meta da evolução, fazemos parte desse processo. A história da vida foi, na verdade, marcada por catástrofes.
As duas guerras mundiais destruíram muito na primeira metade do século XX. Três grandes impérios da época, por exemplo, o romano-otomano, o austro-húngaro e o soviético, desapareceram.
Isto nos demonstra a necessidade de ensinar o que chamamos de ecologia da ação: a atitude que se toma quando uma ação é desencadeada e escapa ao desejo e às intenções daquele que a provocou, desencadeando influências múltiplas que podem desviá-la até para o sentido oposto ao intencionado.
A história humana está repleta de exemplos dessa natureza. O mais evidente no final do século XX foi o projeto político de Gorbatchev, que pretendeu reformar o sistema político da União Soviética, mas acabou provocando o começo de sua própria desagregação e implosão.
Assim tem acontecido em todas as etapas da história. O inesperado aconteceu e acontecerá, porque não temos futuro e não temos certeza nenhuma do futuro. As previsões não foram concretizadas, não existe determinismo do progresso. Os espíritos, portanto, têm que ser fortes e armados para enfrentarem essa incerteza e não se desencorajarem.
Essa incerteza é uma incitação à coragem. A aventura humana não é previsível, mas o imprevisto não é totalmente desconhecido. Somente agora se admite que não se conhece o destino da aventura humana. É necessário tomar consciência de que as futuras decisões devem ser tomadas contando com o risco do erro e estabelecer estratégias que possam ser corrigidas no processo da ação, a partir dos imprevistos e das informações que se tem.
A Condição Planetária
O sexto aspecto é a condição planetária, sobretudo na era da globalização no século XX – que começou, na verdade no século XVI com a colonização da América e a interligação de toda a humanidade. Esse fenômeno que estamos vivendo hoje, em que tudo está conectado, é um outro aspecto que o ensino ainda não tocou, assim como o planeta e seus problemas, a aceleração histórica, a quantidade de informação que não conseguimos processar e organizar.
Este ponto é importante porque existe, neste momento, um destino comum para todos os seres humanos. O crescimento da ameaça letal se expande em vez de diminuir: a ameaça nuclear, a ameaça ecológica, a degradação da vida planetária. Ainda que haja uma tomada de consciência de todos esses problemas, ela é tímida e não conduziu ainda a nenhuma decisão efetiva. Por isso, faz-se urgente a construção de uma consciência planetária.
É necessária uma certa distância em relação ao imediato para podermos compreendê-lo. E, atualmente, dada a aceleração e a complexidade do mundo, é quase impossível. Mas, faz-se necessário ressaltar, é esta a dificuldade. É necessário ensinar que não é suficiente reduzir a um só a complexidade dos problemas importantes do planeta, como a demografia, ou a escassez de alimentos, ou a bomba atômica, ou a ecologia. Os problemas estão todos amarrados uns aos outros.
Daqui para frente, existem, sobretudo, os perigos de vida e morte para a humanidade, como a ameaça da arma nuclear, como a ameaça ecológica, como o desencadeamento dos nacionalismos acentuados pelas religiões. É preciso mostrar que a humanidade vive agora uma comunidade de destino comum.
A Antropo-ética
O último aspecto é o que vou chamar de antropo-ético, porque os problemas da moral e da ética diferem a depender da cultura e da natureza humana. Existe um aspecto individual, outro social e outro genético, diria de espécie. Algo como uma trindade em que as terminações são ligadas: a antropo-ética. Cabe ao ser humano desenvolver, ao mesmo tempo, a ética e a autonomia pessoal (as nossas responsabilidades pessoais), além de desenvolver a participação social (as responsabilidades sociais), ou seja, a nossa participação no gênero humano, pois compartilhamos um destino comum.
A antropo-ética tem um lado social que não tem sentido se não for na democracia, porque a democracia permite uma relação indivíduo-sociedade e nela o cidadão deve se sentir solidário e responsável. A democracia permite aos cidadãos exercerem suas responsabilidades através do voto. Somente assim é possível fazer com que o poder circule, de forma que aquele que foi uma vez controlado, terá a chance de controlar. Porque a democracia é, por princípio, um exercício de controle.
Não existe, evidentemente, democracia absoluta. Ela é sempre incompleta. Mas sabemos que vivemos em uma época de regressão democrática, pois o poder tecnológico agrava cada vez mais os problemas econômicos. Na verdade, é importante orientar e guiar essa tomada de consciência social que leva à cidadania, para que o indivíduo possa exercer sua responsabilidade.
Por outro lado, a ética do ser humano está se desenvolvendo através das associações não-governamentais, como os Médicos Sem Fronteiras, o Greenpeace, a Aliança pelo Mundo Solidário e tantas outras que trabalham acima de entidades religiosas, políticas ou de Estados nacionais, assistindo aos países ou às nações que estão sendo ameaçadas ou em graves conflitos. Devemos conscientizar a todos sobre essas causas tão importantes, pois estamos falando do destino da humanidade.
Seremos capazes de civilizar a terra e fazer com que ela se torne uma verdadeira pátria? Estes são os sete saberes necessários ao ensino. E não digo isso para modificar programas. Na minha opinião, não temos que destruir disciplinas, mas sim integrá-las, reuni-las em uma ciência como, por exemplo, as ciências da terra (a sismologia, a vulcanologia, a meteorologia), todas elas articuladas em uma concepção sistêmica da terra.
Penso que tudo deva estar integrado para permitir uma mudança de pensamento; para que se transforme a concepção fragmentada e dividida do mundo, que impede a visão total da realidade. Essa visão fragmentada faz com que os problemas permaneçam invisíveis para muitos, principalmente para muitos governantes.
E hoje que o planeta já está, ao mesmo tempo, unido e fragmentado, começa a se desenvolver uma ética do gênero humano, para que possamos superar esse estado de caos e começar, talvez, a civilizar a terra.
Edgard Morin é o pai da teoria da complexidade, explicada nos quatro livros da série O Método.
texto/artigo
LEIS, EDUCAÇÃO E PRIMEIRA LÍNGUA
LAWS, EDUCATION AND FIRST LANGUAGE
SANCHOTENE, Joyce de Castro
Resumo
O texto apresenta algumas reflexões sobre as relações entre linguagem e educação além de algumas leis norteadoras do ensino destas áreas no Brasil.
Palavras-chaves: Leis; Educação; Linguagem.
Abstract
This article presents some reflexions among language and education and some of the principal laws for the teaching area in Brazil.
KeyWords: Laws; Education; Language.
Uma questão importante para os estudiosos da linguagem e da educação refere-se ao objetivo do ensino da língua materna: desenvolver um padrão lingüístico, norma padrão, ou reproduzir a ordem social vigente.
No Brasil, a principal responsável pelo processamento do ensino da cultura letrada, do século XVI a meados do século XVIII, foi a Companhia de Jesus até a sua expulsão pelo Marquês de Pombal. Este criou, então, a primeira rede leiga de ensino destinada aos filhos das famílias da classe dominante.
Entre a proposta da nossa primeira Constituição, de 1824, de promover o ensino primário universal, e as leis que se seguiram pode-se determinar uma deliberada reprodução do sistema de oligarquias dominantes que, entre outros mecanismos, utiliza a norma lingüística como instrumento de exclusão.
Um outro aspecto a ser considerado nas reflexões sobre a língua, classes sociais e escola é o desenvolvimento das recentes teorias do discurso que revelam o fato de que, no interior da língua, as palavras e os significados destas mudam de um discurso para outro e de um momento para outro, mudanças estas que acontecem não só por causa da variabilidade da língua, mas pelas contradições materiais no campo social onde vários discursos tomam forma e coexistem. Sobre essa questão, Deleuze e Guattari (1996), afirmam:
Não há língua em si mesmo, nem qualquer universalidade da língua, mas um concurso de dialetos, patois, gírias, línguas especiais. Não existe um falante-ouvinte “competente” ideal, não existe também uma comunidade lingüística homogênea. Não há língua materna, mas um embargo de poder por uma língua dominante no interior da multiplicidade lingüística. (Deleuze e Guattari, apud Chang, p. 184 )
Faraco (2001), ao discutir a questão: A lingüística serve para alguma coisa?Questões de política lingüística, destaca a importância de saber se os estudos realizados por esta ciência têm, efetivamente, conseguido se fazer ouvir em nossa sociedade.
Em seguida, o citado autor (2001) levanta uma questão.
...nossas práticas de ensino e pesquisa, nossas elaborações teóricas e nosso impressionante acervo de descrições do português que falamos aqui e da caracterização da complexa realidade lingüística do país têm servido para colocar nossa voz no campo das batalhas culturais como uma voz pelo menos eqüipolente com as outras vozes que dizem a língua? ( FARACO, 2003, p. 36).
Sobre tal assunto, Alves-Mazzoti (2003) em texto chamado Impacto da pesquisa educacional sobre as práticas escolares relata que muitos pesquisadores têm a mesma preocupação de Faraco (2001) sobre o pouco efeito que a pesquisa educacional ocasiona na qualidade do ensino e redução das desigualdades educacionais. Além da qualidade da pesquisa, dificuldades na divulgação e apropriação desta por professores, outros aspectos são considerados obstáculos a esta apropriação. Um dos pontos destacados pela autora é mesma preocupação de Faraco (2001) sobre o pouco efeito que a pesquisa educacional ocasiona na qualidade do ensino e redução das desigualdades educacionais. Além da qualidade da pesquisa, dificuldades na divulgação e apropriação desta por professores, outros aspectos são considerados obstáculos a esta apropriação. Um dos pontos destacados pela autora é que na introdução da pesquisa o problema pesquisado seja situado em um plano maior, ou seja, que o tema seja discutido, também, de forma mais abrangente. A autora acentua, ainda, uma observação de Tardif (2000) que entende que os pesquisadores devem ter mais interesse nas práticas reais dos professores para que o novo conhecimento gerado pela pesquisa possa ser situado à luz do repertório representacional destes.
Além da qualidade da pesquisa, dificuldades na divulgação e apropriação desta por professores, outros aspectos são considerados obstáculos a esta apropriação. Um dos pontos destacados pela autora é que na introdução da pesquisa o problema pesquisado seja situado em um plano maior, ou seja, que o tema seja discutido, também, de forma mais abrangente. A autora acentua, ainda, uma observação de Tardif (2000) que entende que os pesquisadores devem ter mais interesse nas práticas reais dos professores para que o novo conhecimento gerado pela pesquisa possa ser situado à luz do repertório representacional destes.
Um exemplo dado pela autora mostra que as inovações que chegam à escola, na maioria das vezes, representam uma desqualificação do trabalho docente e, por isso, encontram resistência. Além disso, as pesquisas que orientam políticas educacionais mais amplas, são contaminadas por injunções políticas e, muitas vezes, implementadas por pessoas não qualificadas para isto. Ao final de seu artigo, a autora cita Soares (2001) que alerta sobre o fato de que textos escritos para leitores de fora da academia devem seguir normas diferenciadas de estrutura, léxico, estilo, sintaxe, entre outros, além do fato de que o pesquisador dificilmente escreve para tal leitor por desconhecer suas condições de apropriação do texto.
Sobre a tão comentada crise no ensino da língua materna da qual se ouve falar desde os anos setenta no Brasil, definida ora como uso deficiente ou inadequado da língua materna, ora como ineficiência do ensino, percebe-se que coincide com o processo de democratização da escola. Esta escola, que sempre privilegiou a cultura e a linguagem das classes favorecidas, pretende-se democrática, mas não aceita o dialeto de alunos pertencentes às camadas populares, expressão de sua cultura.
Sobre esse assunto assinala Gnerre (1985):
Processos que são considerados “democráticos” e liberadores, tais como as campanhas de alfabetização, de aumento das oportunidades e dos recursos educacionais, estão muitas vezes conjugados com processos de padronização da língua, que são menos obviamente democráticos e “liberadores”. (Gnerre, pp. 21 e 22 )
Tais processos vão assumindo a função de instrumentos para aumentar o controle do estado sobre os grupos sociais que mantêm poucos contatos com a variedade padrão da língua, pois são mais difíceis de ser controlados, já que eles não têm um instrumento poderoso para definir sua posição social.
De acordo com Silva (1996), desde o Brasil Colônia houve um policiamento social em relação à oralidade brasileira e o cultivo de um ideal lusitanizante que, de certa maneira, perdura até nossos dias. Exemplo disto é o Parecer do Conselho Federal de Educação de 1975, de autoria de Abgar Renault, que propunha medidas para solucionar o problema do ensino a partir da aplicação de uma disciplina gramatical rigorosa, de acordo com princípios de concordância e regência exigidos pelo pensamento lógico, além do estabelecimento de normas para o controle da mídia e dos editores. Além disso, o mesmo Conselho, em 1976, criou uma comissão com o propósito de estudar a carência lingüística dos estudantes, bem como de propor medidas saneadoras.
Outra comissão foi criada pelo Ministério da Cultura, em 1986, para o aperfeiçoamento do ensino/aprendizagem da língua materna, gerando um documento intitulado “Diretrizes para o aperfeiçoamento do ensino/aprendizagem da língua materna” que sugeria propostas para o ensino de 1° e 2° graus, envolvendo o desenvolvimento de uma “língua de cultura”, ou seja, uma única língua em primeira instância, deixando-se, novamente, outras línguas relegadas ao ostracismo social.
Para Baudrillard, em Chang (1996, p.181), existe um terrorismo do código que, por funcionar como mecanismo que salvaguarda a univocalidade da mensagem, reprime a heterogeneidade e contradições que surgem nos processos reais de comunicação social. Assim, não partilhamos códigos, nem transmitimos unilateralmente a mensagem.
Bakhtin, em seus estudos sobre a linguagem, chama a atenção para o fato de que existe um vínculo orgânico entre o uso da linguagem e a atividade humana, pois não falamos no vazio, os enunciados que produzimos estão sempre relacionados às esferas do agir humano, têm tema, organização composicional e estilos adequados às finalidades e condições de cada atividade realizada. Tal pensamento esclarece a complexidade existente nas práticas de linguagem bem como das atividades humanas e, conseqüentemente, à permanente mutação nos gêneros do discurso. Bakhtin, assim, dá importância à historicidade dos gêneros, ou seja, reconhece que estes não são fixos, imutáveis, mas sim sempre abertos à mudança e ao novo. Se uma esfera da atividade humana, por exemplo, torna-se mais complexa, o repertório desta se torna diferente do que era antes, além de ficar mais amplo. Os gêneros se hibridizam de forma contínua, mantendo, porém, certa similaridade e, desta forma, realizam importantes funções sociocognitivas, orientam nossa compreensão das ações dos outros e das nossas próprias ações.
Faraco (2003) explica que:
Tanto para Medvedev quanto para Bakhtin, envolver-se em uma determinada esfera da atividade implica desenvolver também um domínio dos gêneros que lhe são peculiares. Em outras palavras, aprender os modos sociais de fazer é também aprender os modos sociais de dizer.(Faraco, p.196).
Portanto, mesmo uma pessoa que domina bem sua língua pode se sentir incapaz em algum momento, em contato com uma esfera social desconhecida para ela justamente por não dominar o repertório deste gênero.
Bakhtin propõe, também, em seus estudos uma classificação dos gêneros em primários e secundários. Os primários seriam os da vida cotidiana como, por exemplo, a conversa familiar ou as narrativas espontâneas, entre outros. Os secundários aparecem em uma comunicação cultural mais elaborada como os usados nas atividades artísticas, científicas, políticas, filosóficas, jurídicas, de educação formal etc.
Soares (1986) considera:
... o ensino de língua materna, entre nós, vincula-se a uma pedagogia conservadora, que vê a escola como instituição independente das condições sociais e econômicas, espaço de neutralidade, de que estariam ausentes os antagonismos e as contradições de uma sociedade dividida em classes. Na verdade, é uma escola que se põe a serviço dessa sociedade, quando, no ensino da língua materna, elege o dialeto de prestígio, a que só têm acesso as classes dominantes, como a língua legítima, que usa e quer ver usada.A partir de tal pressuposto, a prática pedagógica julga a linguagem do aluno como errada em relação à norma, isto é, do dialeto de prestígio, impondo a substituição pura e simples do dialeto que o aluno utiliza, sem perceber as múltiplas determinações de uso de um dialeto.(Soares, p. 77)
Gnerre (1985, p.7) declara a esse respeito: “Os cidadãos, apesar de declarados iguais perante a lei, são, na realidade, discriminados já na base do mesmo código em que a lei é redigida”. Isto ocorre pelo fato da maioria dos cidadãos não ter acesso ao código ou ter possibilidade reduzida de acesso como conseqüência da norma pedagógica utilizada pela escola.
A par disso, o processo histórico que legitima uma variedade é complexo, porém de profundo interesse para os que trabalham em educação e com a formação de professores. A variedade culta é sempre associada à escrita, à tradição gramatical, inventariada em dicionários, além de portadora de uma tradição cultural e de uma identidade nacional. No processo de legitimação deve ser ressaltada a criação de mitos de origem como aconteceu no caso da instituição da gramática das línguas românicas, visando justificar sua superioridade em relação a outras variedades da época. Além disso, a língua descrita pelos gramáticos tem como função impor uma norma à diversidade, guardando seu poder político e cultural.
Desta forma, entende-se os motivos que levaram o Marquês de Pombal a definir o português como língua oficial e nacional do Brasil por meio do Diretório de 3 de maio de 1757, primeiro para o Pará e o Maranhão e, em 1758, estendido a todo o Brasil. Estava, então, ameaçado o português, pois já vigorava a língua oficial da costa (o tupinambá) nas escolas dos jesuítas e outras línguas indígenas eram utilizadas na intercomunicação familiar. Só na Constituição de 1988 é que foi feita uma modificação na caracterização da língua portuguesa, passando esta a língua oficial o que permitiu, então, que os povos indígenas, que usam mais de 170 línguas diferentes, passassem a usá-las como língua de berço, podendo alfabetizar em sua própria língua.
Assim, se as palavras encerram crenças e valores codificados pela classe dominante, imobilizadas na variedade padrão, esta variedade torna-se um instrumento de poder, legitimado também pela escola que serve aos interesses de tal classe, seja de forma consciente ou não.
Se as pessoas envolvidas no processo educativo tivessem conhecimento da origem das instituições sociais e o significado e funções destas fossem explicitados em cursos de formação, não haveria, por exemplo, a perpetuação do ensino de uma gramática normativa fora da ideologia de sua instituição. Gnerre (1985, p.16) acrescenta: “A começar do nível mais elementar de relações com o poder, a linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder”.
Existe uma guerra dos discursos e, para Raymond Williams, citado por Chang (1996, p.184), uma palavra pode ter múltiplos e contraditórios sentidos, revelando que a língua, assim como outros objetos simbólicos na sociedade, é um produto conjuntural. Assim, torna-se necessário ligar signos lingüísticos com a realidade material, com a prosa da vida diária, afetada por eles e que a eles afeta, enfim, tratando a comunicação materialmente, considerando que “as pessoas comunicam, mas não sempre sob as condições do seu próprio fazer”, ou seja, deve-se combinar semiótica com a fenomenologia social, neutralizar o terrorismo do código por meio da dissipação do fluxo suave da informação em um composto multidimensional de vozes, contra-vozes, mensagens, reações e contrações, ou, em síntese, em tecido social construído por meio de fios de competição e apropriação, não de troca harmoniosa.
Referências
CHANG, B. G. Deconstructing Communication, representation, subject, and economies of exchange.University of Minnesota Press, Minneapolis, 1996.
FARACO, Carlos Alberto. Linguagem & Diálogo: as idéias lingüísticas do círculo de Bakhtin. Curitiba: Criar Edições, 2003.
GNERRE, Maurizzio. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1985.
SILVA, Rosa Virgínia Mattos e. Contradições no ensino de português: a língua que se fala X a língua que se ensina. São Paulo: Contexto, 2002.
MAZZOTI-ALVES, Alda Judith. Impacto da pesquisa educacional sobre as práticas escolares. IN: ZAGO, CARVALHO e VILELA. (orgs.) Perspectivas qualitativas em Sociologia da Educação.
LAWS, EDUCATION AND FIRST LANGUAGE
SANCHOTENE, Joyce de Castro
Resumo
O texto apresenta algumas reflexões sobre as relações entre linguagem e educação além de algumas leis norteadoras do ensino destas áreas no Brasil.
Palavras-chaves: Leis; Educação; Linguagem.
Abstract
This article presents some reflexions among language and education and some of the principal laws for the teaching area in Brazil.
KeyWords: Laws; Education; Language.
Uma questão importante para os estudiosos da linguagem e da educação refere-se ao objetivo do ensino da língua materna: desenvolver um padrão lingüístico, norma padrão, ou reproduzir a ordem social vigente.
No Brasil, a principal responsável pelo processamento do ensino da cultura letrada, do século XVI a meados do século XVIII, foi a Companhia de Jesus até a sua expulsão pelo Marquês de Pombal. Este criou, então, a primeira rede leiga de ensino destinada aos filhos das famílias da classe dominante.
Entre a proposta da nossa primeira Constituição, de 1824, de promover o ensino primário universal, e as leis que se seguiram pode-se determinar uma deliberada reprodução do sistema de oligarquias dominantes que, entre outros mecanismos, utiliza a norma lingüística como instrumento de exclusão.
Um outro aspecto a ser considerado nas reflexões sobre a língua, classes sociais e escola é o desenvolvimento das recentes teorias do discurso que revelam o fato de que, no interior da língua, as palavras e os significados destas mudam de um discurso para outro e de um momento para outro, mudanças estas que acontecem não só por causa da variabilidade da língua, mas pelas contradições materiais no campo social onde vários discursos tomam forma e coexistem. Sobre essa questão, Deleuze e Guattari (1996), afirmam:
Não há língua em si mesmo, nem qualquer universalidade da língua, mas um concurso de dialetos, patois, gírias, línguas especiais. Não existe um falante-ouvinte “competente” ideal, não existe também uma comunidade lingüística homogênea. Não há língua materna, mas um embargo de poder por uma língua dominante no interior da multiplicidade lingüística. (Deleuze e Guattari, apud Chang, p. 184 )
Faraco (2001), ao discutir a questão: A lingüística serve para alguma coisa?Questões de política lingüística, destaca a importância de saber se os estudos realizados por esta ciência têm, efetivamente, conseguido se fazer ouvir em nossa sociedade.
Em seguida, o citado autor (2001) levanta uma questão.
...nossas práticas de ensino e pesquisa, nossas elaborações teóricas e nosso impressionante acervo de descrições do português que falamos aqui e da caracterização da complexa realidade lingüística do país têm servido para colocar nossa voz no campo das batalhas culturais como uma voz pelo menos eqüipolente com as outras vozes que dizem a língua? ( FARACO, 2003, p. 36).
Sobre tal assunto, Alves-Mazzoti (2003) em texto chamado Impacto da pesquisa educacional sobre as práticas escolares relata que muitos pesquisadores têm a mesma preocupação de Faraco (2001) sobre o pouco efeito que a pesquisa educacional ocasiona na qualidade do ensino e redução das desigualdades educacionais. Além da qualidade da pesquisa, dificuldades na divulgação e apropriação desta por professores, outros aspectos são considerados obstáculos a esta apropriação. Um dos pontos destacados pela autora é mesma preocupação de Faraco (2001) sobre o pouco efeito que a pesquisa educacional ocasiona na qualidade do ensino e redução das desigualdades educacionais. Além da qualidade da pesquisa, dificuldades na divulgação e apropriação desta por professores, outros aspectos são considerados obstáculos a esta apropriação. Um dos pontos destacados pela autora é que na introdução da pesquisa o problema pesquisado seja situado em um plano maior, ou seja, que o tema seja discutido, também, de forma mais abrangente. A autora acentua, ainda, uma observação de Tardif (2000) que entende que os pesquisadores devem ter mais interesse nas práticas reais dos professores para que o novo conhecimento gerado pela pesquisa possa ser situado à luz do repertório representacional destes.
Além da qualidade da pesquisa, dificuldades na divulgação e apropriação desta por professores, outros aspectos são considerados obstáculos a esta apropriação. Um dos pontos destacados pela autora é que na introdução da pesquisa o problema pesquisado seja situado em um plano maior, ou seja, que o tema seja discutido, também, de forma mais abrangente. A autora acentua, ainda, uma observação de Tardif (2000) que entende que os pesquisadores devem ter mais interesse nas práticas reais dos professores para que o novo conhecimento gerado pela pesquisa possa ser situado à luz do repertório representacional destes.
Um exemplo dado pela autora mostra que as inovações que chegam à escola, na maioria das vezes, representam uma desqualificação do trabalho docente e, por isso, encontram resistência. Além disso, as pesquisas que orientam políticas educacionais mais amplas, são contaminadas por injunções políticas e, muitas vezes, implementadas por pessoas não qualificadas para isto. Ao final de seu artigo, a autora cita Soares (2001) que alerta sobre o fato de que textos escritos para leitores de fora da academia devem seguir normas diferenciadas de estrutura, léxico, estilo, sintaxe, entre outros, além do fato de que o pesquisador dificilmente escreve para tal leitor por desconhecer suas condições de apropriação do texto.
Sobre a tão comentada crise no ensino da língua materna da qual se ouve falar desde os anos setenta no Brasil, definida ora como uso deficiente ou inadequado da língua materna, ora como ineficiência do ensino, percebe-se que coincide com o processo de democratização da escola. Esta escola, que sempre privilegiou a cultura e a linguagem das classes favorecidas, pretende-se democrática, mas não aceita o dialeto de alunos pertencentes às camadas populares, expressão de sua cultura.
Sobre esse assunto assinala Gnerre (1985):
Processos que são considerados “democráticos” e liberadores, tais como as campanhas de alfabetização, de aumento das oportunidades e dos recursos educacionais, estão muitas vezes conjugados com processos de padronização da língua, que são menos obviamente democráticos e “liberadores”. (Gnerre, pp. 21 e 22 )
Tais processos vão assumindo a função de instrumentos para aumentar o controle do estado sobre os grupos sociais que mantêm poucos contatos com a variedade padrão da língua, pois são mais difíceis de ser controlados, já que eles não têm um instrumento poderoso para definir sua posição social.
De acordo com Silva (1996), desde o Brasil Colônia houve um policiamento social em relação à oralidade brasileira e o cultivo de um ideal lusitanizante que, de certa maneira, perdura até nossos dias. Exemplo disto é o Parecer do Conselho Federal de Educação de 1975, de autoria de Abgar Renault, que propunha medidas para solucionar o problema do ensino a partir da aplicação de uma disciplina gramatical rigorosa, de acordo com princípios de concordância e regência exigidos pelo pensamento lógico, além do estabelecimento de normas para o controle da mídia e dos editores. Além disso, o mesmo Conselho, em 1976, criou uma comissão com o propósito de estudar a carência lingüística dos estudantes, bem como de propor medidas saneadoras.
Outra comissão foi criada pelo Ministério da Cultura, em 1986, para o aperfeiçoamento do ensino/aprendizagem da língua materna, gerando um documento intitulado “Diretrizes para o aperfeiçoamento do ensino/aprendizagem da língua materna” que sugeria propostas para o ensino de 1° e 2° graus, envolvendo o desenvolvimento de uma “língua de cultura”, ou seja, uma única língua em primeira instância, deixando-se, novamente, outras línguas relegadas ao ostracismo social.
Para Baudrillard, em Chang (1996, p.181), existe um terrorismo do código que, por funcionar como mecanismo que salvaguarda a univocalidade da mensagem, reprime a heterogeneidade e contradições que surgem nos processos reais de comunicação social. Assim, não partilhamos códigos, nem transmitimos unilateralmente a mensagem.
Bakhtin, em seus estudos sobre a linguagem, chama a atenção para o fato de que existe um vínculo orgânico entre o uso da linguagem e a atividade humana, pois não falamos no vazio, os enunciados que produzimos estão sempre relacionados às esferas do agir humano, têm tema, organização composicional e estilos adequados às finalidades e condições de cada atividade realizada. Tal pensamento esclarece a complexidade existente nas práticas de linguagem bem como das atividades humanas e, conseqüentemente, à permanente mutação nos gêneros do discurso. Bakhtin, assim, dá importância à historicidade dos gêneros, ou seja, reconhece que estes não são fixos, imutáveis, mas sim sempre abertos à mudança e ao novo. Se uma esfera da atividade humana, por exemplo, torna-se mais complexa, o repertório desta se torna diferente do que era antes, além de ficar mais amplo. Os gêneros se hibridizam de forma contínua, mantendo, porém, certa similaridade e, desta forma, realizam importantes funções sociocognitivas, orientam nossa compreensão das ações dos outros e das nossas próprias ações.
Faraco (2003) explica que:
Tanto para Medvedev quanto para Bakhtin, envolver-se em uma determinada esfera da atividade implica desenvolver também um domínio dos gêneros que lhe são peculiares. Em outras palavras, aprender os modos sociais de fazer é também aprender os modos sociais de dizer.(Faraco, p.196).
Portanto, mesmo uma pessoa que domina bem sua língua pode se sentir incapaz em algum momento, em contato com uma esfera social desconhecida para ela justamente por não dominar o repertório deste gênero.
Bakhtin propõe, também, em seus estudos uma classificação dos gêneros em primários e secundários. Os primários seriam os da vida cotidiana como, por exemplo, a conversa familiar ou as narrativas espontâneas, entre outros. Os secundários aparecem em uma comunicação cultural mais elaborada como os usados nas atividades artísticas, científicas, políticas, filosóficas, jurídicas, de educação formal etc.
Soares (1986) considera:
... o ensino de língua materna, entre nós, vincula-se a uma pedagogia conservadora, que vê a escola como instituição independente das condições sociais e econômicas, espaço de neutralidade, de que estariam ausentes os antagonismos e as contradições de uma sociedade dividida em classes. Na verdade, é uma escola que se põe a serviço dessa sociedade, quando, no ensino da língua materna, elege o dialeto de prestígio, a que só têm acesso as classes dominantes, como a língua legítima, que usa e quer ver usada.A partir de tal pressuposto, a prática pedagógica julga a linguagem do aluno como errada em relação à norma, isto é, do dialeto de prestígio, impondo a substituição pura e simples do dialeto que o aluno utiliza, sem perceber as múltiplas determinações de uso de um dialeto.(Soares, p. 77)
Gnerre (1985, p.7) declara a esse respeito: “Os cidadãos, apesar de declarados iguais perante a lei, são, na realidade, discriminados já na base do mesmo código em que a lei é redigida”. Isto ocorre pelo fato da maioria dos cidadãos não ter acesso ao código ou ter possibilidade reduzida de acesso como conseqüência da norma pedagógica utilizada pela escola.
A par disso, o processo histórico que legitima uma variedade é complexo, porém de profundo interesse para os que trabalham em educação e com a formação de professores. A variedade culta é sempre associada à escrita, à tradição gramatical, inventariada em dicionários, além de portadora de uma tradição cultural e de uma identidade nacional. No processo de legitimação deve ser ressaltada a criação de mitos de origem como aconteceu no caso da instituição da gramática das línguas românicas, visando justificar sua superioridade em relação a outras variedades da época. Além disso, a língua descrita pelos gramáticos tem como função impor uma norma à diversidade, guardando seu poder político e cultural.
Desta forma, entende-se os motivos que levaram o Marquês de Pombal a definir o português como língua oficial e nacional do Brasil por meio do Diretório de 3 de maio de 1757, primeiro para o Pará e o Maranhão e, em 1758, estendido a todo o Brasil. Estava, então, ameaçado o português, pois já vigorava a língua oficial da costa (o tupinambá) nas escolas dos jesuítas e outras línguas indígenas eram utilizadas na intercomunicação familiar. Só na Constituição de 1988 é que foi feita uma modificação na caracterização da língua portuguesa, passando esta a língua oficial o que permitiu, então, que os povos indígenas, que usam mais de 170 línguas diferentes, passassem a usá-las como língua de berço, podendo alfabetizar em sua própria língua.
Assim, se as palavras encerram crenças e valores codificados pela classe dominante, imobilizadas na variedade padrão, esta variedade torna-se um instrumento de poder, legitimado também pela escola que serve aos interesses de tal classe, seja de forma consciente ou não.
Se as pessoas envolvidas no processo educativo tivessem conhecimento da origem das instituições sociais e o significado e funções destas fossem explicitados em cursos de formação, não haveria, por exemplo, a perpetuação do ensino de uma gramática normativa fora da ideologia de sua instituição. Gnerre (1985, p.16) acrescenta: “A começar do nível mais elementar de relações com o poder, a linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder”.
Existe uma guerra dos discursos e, para Raymond Williams, citado por Chang (1996, p.184), uma palavra pode ter múltiplos e contraditórios sentidos, revelando que a língua, assim como outros objetos simbólicos na sociedade, é um produto conjuntural. Assim, torna-se necessário ligar signos lingüísticos com a realidade material, com a prosa da vida diária, afetada por eles e que a eles afeta, enfim, tratando a comunicação materialmente, considerando que “as pessoas comunicam, mas não sempre sob as condições do seu próprio fazer”, ou seja, deve-se combinar semiótica com a fenomenologia social, neutralizar o terrorismo do código por meio da dissipação do fluxo suave da informação em um composto multidimensional de vozes, contra-vozes, mensagens, reações e contrações, ou, em síntese, em tecido social construído por meio de fios de competição e apropriação, não de troca harmoniosa.
Referências
CHANG, B. G. Deconstructing Communication, representation, subject, and economies of exchange.University of Minnesota Press, Minneapolis, 1996.
FARACO, Carlos Alberto. Linguagem & Diálogo: as idéias lingüísticas do círculo de Bakhtin. Curitiba: Criar Edições, 2003.
GNERRE, Maurizzio. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1985.
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